Quis o destino que a vida de Mariano e Luzinete fosse transformada.

Ele, um andarilho inquieto, que nunca encontrava um lugar para chamar de seu, estava sempre insatisfeito onde quer que estivesse.
A senhora Luzinete morava com sua filha, uma empreendedora no ramo de eventos, que não conseguia desempenhar seu trabalho devido à preocupação com a mãe, que passava boa parte do tempo sozinha em casa.

Seu Mariano, após uma hospitalização prolongada devido a uma úlcera na perna, passou a precisar de cuidados, pois tinha um prognóstico fechado: o mesmo iria passar por uma amputação de membro inferior.
Diante dessa realidade, ele aceitou receber cuidados em uma ILPI filantrópica. Poucos meses após o acolhimento – e após várias hospitalizações – na mesma ILPI chega uma nova moradora, a senhora Luzinete, portadora de Alzheimer em estágio inicial, muito agitada, que encontrava grande dificuldade em se adaptar à sua nova casa.

A instituição, ao perceber que a idosa não estava bem, fez interlocução com a família para informar que ela estava em sofrimento emocional, mesmo com toda a dedicação e experiência da equipe em oferecer carinho e cuidados.
A filha da senhora Luzinete ficou muito preocupada com a situação, mas reiterava a dificuldade de cuidar da mãe em casa, pois seria financeiramente impossível arcar com os custos de uma equipe de cuidados especializada.

Mas a vida se encarregou de colocar tudo no lugar, trazendo algo que ambos estavam abertos a viver: uma história de amor.

De repente, na praça central do Lar, um casal passou a conversar constantemente. Sorrisos e mãos dadas chamavam a atenção dos demais moradores.

Ele, cada dia mais sereno, calmo e sorridente; ela, superando a ansiedade de voltar para casa e encontrando em seu Mariano conforto emocional.
Quando um estava presente, o outro logo chegava. Refeições lado a lado – ele, sempre cuidadoso, ajudava a servir o prato da amada, perguntando se ela estava satisfeita ou se desejava algo mais.

Alguns moradores cochichavam e questionavam se aquilo era correto, considerando o namoro em público uma “safadeza para essa idade”.
Logo, a gestão do Lar se pronunciou e afirmou que, sim, eles poderiam namorar, podendo até mesmo se casar, caso desejassem.

Foi então que Mariano e a senhora Luzinete procuraram a administração da ILPI para saber se era possível se casar e ter um leito exclusivo para eles.
A gestão confirmou a possibilidade e iniciou, dentro da ILPI, a reforma de um espaço para que eles vivessem como casal.
Eles solicitaram alianças e demonstraram o desejo de se casar na capela da ILPI.
Atualmente, estão nos preparativos do grande dia, planejando roupas, almoço e convidados. A ILPI está organizando tudo, inclusive o chá de cozinha da senhora Luzinete. Nos próximos dias, eles estarão subindo ao altar.

A importância da equipe multidisciplinar: acolhendo histórias e promovendo bem-estar

No Lar de idosos onde residem Mariano e Luzinete, a equipe de cuidadores é composta por 14 pessoas, dos quais 4 são supervisores líderes, responsáveis por acompanhar todas as ocorrências e estimular a equipe a dar o seu melhor.
Periodicamente, realizam reuniões para avaliação dos serviços prestados e planejamento das atividades a serem desenvolvidas, dialogando sobre as principais demandas dos acolhidos e definindo estratégias para alcançar os objetivos traçados.
Eles analisam os desafios, identificam os casos que exigem mais atenção e acionam outros profissionais quando necessário.
O romance entre os residentes nesta ILPI já está desmistificado – não é o primeiro romance vivido aqui e, para a equipe, é algo natural.

Impactos positivos na qualidade de vida e no bem-estar emocional

Compartilhar a vida com alguém não só promove a socialização, mas também desperta o desejo pelo autocuidado, auxiliando na saúde física e mental.
Os residentes, antes isolados, passaram a interagir não só como casal, mas também com os demais moradores.
Atualmente, eles cuidam mais da aparência e da saúde, e estão muito mais motivados e animados.
Todos estão ansiosos pelo grande dia: a cerimônia de casamento de Mariano e Luzinete.

Impacto nos demais residentes: o amor ainda é possível?

A gestão da ILPI enfrentou desafios e preconceitos internos, transformando possíveis conflitos em oportunidades para reafirmar o respeito à individualidade e à escolha dos residentes.
Embora o etarismo ainda predomine em nossa sociedade e até mesmo entre as próprias pessoas idosas, o Lar promove rodas de conversa e palestras que desmistificam temas relacionados a esta fase da vida.
A todos os residentes é enfatizado que são livres e têm garantidos inúmeros direitos, incluindo o de se relacionar.

ILPI e a comunidade: laços que transformam vidas

Entidades de acolhimento para pessoas idosas, sobretudo as filantrópicas, enfrentam a escassez de recursos, em parte devido à insuficiência de contrapartidas governamentais para suprir as demandas diárias dos acolhidos.
A luta para garantir que os residentes vivam com dignidade e conforto é constante.
Neste contexto, surgiu o desafio de encontrar um espaço mais privativo, já que os quartos são coletivos.
Após reunir a diretoria, a equipe técnica e de cuidados, decidiu-se dividir um quarto coletivo ao meio, o que exigiu a construção de uma parede de alvenaria e outras adaptações.
Com a parceria da Secretaria Municipal de Infraestrutura, que cedeu a mão de obra, e a captação de recursos por meio de uma rifa para a compra dos materiais, o quarto do casal foi preparado.


Agora, resta apenas finalizar os trâmites com a igreja, que dará a benção nupcial a este casal.

Em breve a parte II – com todos os detalhes do grande dia!

About the Author: Ana Paula Moura

Assistente Social - Gestora de ILPI filantrópica - Colunista da Revista Cuidar.

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