Especial Família.

Cuidar de um ente querido na velhice é um desafio repleto de amor e decisões difíceis. Neste relato comovente, a filha Simone compartilha sua jornada ao lidar com a fragilidade repentina da mãe, as escolhas feitas para garantir seu bem-estar e a importância dos laços de afeto que transcendem a família de sangue.

Autora: Simone Moreira 

Primeiramente, quero agradecer a Aline Salla pela oportunidade de contar um pouco sobre a minha mãe e um dos momentos mais difíceis que tive que enfrentar: o envelhecimento da minha mãe, seu mal súbito e a dependência de outras pessoas no seu dia-a-dia. 

E chegou o momento de refletir: o que fazer para dar o melhor para minha mãe nessa fase da vida?

Para elucidar sobre a importância da família Salla na vida da minha mãe, eles estiveram sempre presentes nos melhores e nos momentos mais difíceis. Considero todos como uma extensão da vida da minha mãezinha e foram muito mais importantes do que alguns familiares de sangue.
Sempre serei agradecida a todos pelo laço de amizade criado com minha mãe e tudo que compartilharam, a história entre as famílias continuará até a eternidade.

Gratidão hoje e sempre.

O Envelhecimento da Minha Mãe e o Mal Súbito

Esse capítulo da história começa assim:

Outubro de 2019, um dos momentos mais difíceis da minha vida: minha mãe teve um mal súbito e parou de andar… 

Corremos para o hospital… Após vários exames e cuidados a mandaram para casa, alegando que não tinha nada mais a ser feito, todos os exames, segundo os especialistas, estavam dentro da normalidade. 

Como ela morava sozinha, aos 87 anos, por uma opção dela, trouxe para ficar comigo e se recuperar, na esperança de vê-la andar novamente.

Foram dias difíceis: ela não queria comer, não queria e não conseguia andar, cuspia para fora da boca todos os medicamentos e só queria dormir. 

Como trabalhava fora, inclusive para tentar dar o melhor conforto para minha mãe (pagando pelo seu convênio, sistema de monitoramento e emergência em sua residência com plano com ambulância e paramédicos, entre outros), contratei uma enfermeira para ficar com ela até o horário da minha chegada em casa. Além da enfermeira, contava com uma ajudante doméstica, que também dava toda assistência. Quando estávamos em casa, todos ajudávamos também: eu, meu marido e meu filho.

A Busca por Soluções e a Dificuldade de Cuidar em Casa

Mas minha mãe não estava preparada para essa dependência física e não aceitou a presença da enfermeira: não comia, não deixava medir a pressão, não queria tomar banho, reclamava que estávamos machucando para trocar a fralda, virar ela, dar banho… me sentia impotente e via que ela estava sofrendo, assim como nós. Só como parênteses: nós, familiares, também, muitas vezes não nos preparamos para esse momento: enfrentar a velhice dos nossos pais…

Achei que pudesse ser culpa da enfermeira e decidi contratar outra, porém o problema se repetia, o que me deu um desespero imenso, pois sabia da necessidade dela em se alimentar e tomar todos os medicamentos para se recuperar.

Nesse meio tempo, como minha mãe era muito religiosa e tinha uma fé inabalável em Deus, pedi para que o pastor da igreja, onde ela frequentava viesse até meu apartamento para orar, conversar e ver se conseguia animá-la, mas, infelizmente, não tive um grande resultado, ela continuava sem querer comer e sem tomar os medicamentos. E, a cada dia que passava eu via minha mãe sem reagir, e eu ficava ainda mais triste por não saber como ajudá-la. 

A Realidade da Velhice e a Falta de Apoio Familiar

Decidi pedir ajuda para meus irmãos, somos 3 filhos, sugerindo que minha mãe ficasse um período com cada um… mas a resposta foi a pior possível: trabalhamos e não temos como ajudar, nem fisicamente e nem financeiramente. Isso me deixou bem triste, porque fui eu quem sempre cuidou da minha mãe e no momento que ela mais precisava ninguém quis cooperarInfelizmente, as famílias não se unem para cuidar dos pais quando estes envelhecem, é uma triste realidade.

Foi daí que uma pessoa muito querida, amiga da família, recomendou um lugar que ela já havia trabalhado como cuidadora e que, nesse mesmo lugar, estava trabalhando outra cuidadora que minha mãe gostava bastante, inclusive que era de uma família muito amiga da minha mãe (a própria Família Salla).

Assim como a maioria das pessoas, eu tinha um pré-conceito formado sobre esses lugares, mas ainda assim resolvi avaliar essa possibilidade, pensando em como ajudar a minha mãe nesse momento difícil.

Foi então que liguei para a proprietária e fui visitar, antes de falar com minha mãe. 

O lugar era praticamente só para mulheres, moravam apenas 2 homens que ficavam em quartos separados, só ficavam juntos em momentos de integração, alimentação e banho de sol.

O espaço era bem limpo, iluminado, arejado e não tinha cheiro ruim.

A comida era bem caseira e as cuidadoras bem carinhosas com os idosos. 

Tinha uma Golden Retriever que interagia com os idosos e percebia o quanto eles gostavam.

Mas o que mais me impactou, positivamente, foi a liberdade que eu tinha em poder visitar minha mãe a qualquer horário, além de poder levá-la para passear e voltar no horário que fosse conveniente para nós. 

Isso me deu a segurança de que a Casa era séria e tinha transparência na prestação de serviço.

A Escolha Difícil: ILPI ou Cuidado em Casa?

Após a visita, resolvi conversar com a minha mãe sobre as possibilidades mais viáveis naquele momento:  

– Ela continuar morando comigo, porém  teria que aceitar o apoio de uma enfermeira. 

– A possibilidade de ir temporariamente para uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) e contar com todo cuidado que a Casa oferecia, além de estar ao lado de uma enfermeira amiga que ela gostava muito e que sabíamos que cuidaria dela com muito carinho.

Em ambas as opções, combinamos que, caso ela se recuperasse bem, poderia voltar a morar na casa dela, com alguém dando todo o suporte a ela, ou voltar a morar comigo. 

A opção dela foi a de ir para a ILPI.

A Adaptação e os Primeiros Sinais de Recuperação

No começo da sua permanência na Casa, ela foi se recuperando aos poucos. Embora fisicamente ainda estivesse debilitada, sem andar, começou a se alimentar bem e tomar os medicamentos. 

Vi a vida voltando a pulsar dentro da minha mãe. Inclusive ela conversava bastante com as outras pessoas lúcidas da casa. 

Recebia vídeos dela fazendo fisioterapia, almoçando, conversando, nas festinhas… 

Várias pessoas iam visitá-la, o que fazia com que não se sentisse abandonada.

Só um breve resumo, antes de ficar doente, ela sempre gostou de viajar, passear, ir à igreja, ir a bingos, comer coisas diferentes… ela tinha sede pela vida, ainda que com alguns problemas de doença controláveis. Ela teve por 2 x AVC e 1 x infarto, mas se recuperou e ficou praticamente sem sequelas. Era diabética e tinha arritmia cardíaca. Mas isso nunca a impediu de ir à luta.

Sempre foi independente, empoderada, vaidosa, fazia o que queria e como queria.

Tinha um temperamento forte, mas seu coração era gigante. Ajudava a todos humanos que podia e a animais.

Quantas vezes ela encontrava cachorro e gato na rua, mal cuidados, e os levava para casa…

Se cruzasse com alguém na rua passando necessidade ela ajudava, mesmo sem conhecer.

Trabalhou até se aposentar e me ajudou a cuidar do meu filho enquanto era pequeno. 

Ela era uma mulher muito forte, gostava de ser ativa e útil. 

Um exemplo de mulher à frente do seu tempo.

Carrego dentro de mim seus valores como mulher e ser humano. Sempre serei grata por tudo que fez por mim e minha família, até quando pode.

Voltando para o período que ficou na ILPI… 

A proprietária tinha um profundo conhecimento sobre doenças e isso ajudou muito a identificar e a cuidar da minha mãe e, quando se tratava de algo mais sério, solicitava a presença de um médico para avaliação.

Um outro ponto positivo da Casa eram as festas em datas comemorativas: no aniversário dela pudemos celebrar, tinha festa no Dia das Mães, festa junina, Natal, entre outros… isso a deixava mais animada, pois ela sempre gostou de estar com pessoas.

Nos períodos em que minha mãe se encontrava bem, sempre dizia que gostaria de ficar lá, ainda que recuperada, por se sentir acolhida e ter carinho de todos dentro da Casa.

Porém, pelo fato de não andar e ficar muito tempo deitada e sentada, após alguns meses, a imunidade dela foi caindo: teve algumas feridas pelo corpo, pneumonia, herpes zoster… foram momentos que me machucavam emocionalmente, pois sempre vi minha mãe ativa e vê-la naquele estado doía minha alma. 

A imagem que tinha da minha mãe era de uma mulher forte, que jamais dependeria de outras pessoas para coisas básicas do dia-a-dia.

Aliado a isso, infelizmente, em março de 2020 veio a pandemia. 

O Impacto da Pandemia na Vida da Minha Mãe

Por um lado, foi bom minha mãe estar em um local onde os cuidados para proteger os idosos de doenças e evitar o vírus eram rigorosos, além do distanciamento físico exigido.

Porém, não podíamos nos tocar, as visitas começaram a ser bem distantes fisicamente e com todo o cuidado necessário (touca, luvas, avental, pró-pé, máscara) …eu acho que isso foi deixando minha mãe mais apática. 

Mesmo com a pandemia, eu nunca deixei de estar presente… visitava minha mãe praticamente todos os dias e, quando não podia ir, iam: meu marido, minha sogra, alguns amigos… Isso, para mim, é fundamental quando optamos por uma ILPI, afinal mudamos toda a rotina e o idoso sai da sua zona de conforto “seu lar”. Precisamos dar muito amor para suprir essa “perda física de espaço e pessoas da família”. 

Além das visitas, levava coisas que ela gostava de comer, de acordo com a dieta aprovada pelo médico e o que era permitido pela proprietária da casa, era uma forma de demonstrar meu carinho por ela. 

Gostava que deixassem minha mãe com uma aparência limpa e zelosa e procurava levar roupas e calçados novos. 

Levei para o quarto dela uma TV, ela sempre gostou muito de assistir alguns programas e novelas. Adorava quando chegava na casa dela e estava rindo com alguns programas. Eram gargalhadas que sempre ficarão na minha memória…

Posso dizer que nesse período, minha mãe teve bons momentos, mas alguns foram mais difíceis… 

A Degradação da Saúde e os Sinais de Despedida

Com o passar do tempo a cabeça dela começou a  ficar ruim também: demência senil devido a seus 88 anos. O que foi bem difícil para mim, porque ela sempre teve uma excelente memória. Lembrava de todos aniversários, de coisas do passado, fazia contas de cabeça, coisas que passamos juntas e eu, mais jovem, já não me recordava com tanta clareza.

Um fato importante aconteceu durante o período em que ficou na Casa e já dava sinais de piora: cerca de dois meses antes de falecer, ela começou a falar muito sobre os pais, dizendo que sentia muita saudade… Ainda que católica, tenho um lado ligado ao espiritismo, e isso começou a me preocupar, pois já sentia que ela estava querendo se despedir, querendo deixar de viver.

Foi quando ela começou a oscilar entre querer ficar na clínica e querer voltar para sua casa. 

O Último Pedido e a Partida Sem Sofrimento

No dia 15/11/2020, quando da minha última visita, ela me falou que queria voltar para a casa dela e eu tinha decidido realizar o seu desejo. 

Perguntei se ela queria ficar comigo no meu apartamento, mas ela me disse que não, que preferiria voltar para o “cantinho dela” com suas coisas pessoais. 

Já tinha me programado para começar a buscar por um grupo de apoio para que ela pudesse voltar para seu lar, porém no dia 16/11/2020 recebi o pior telefonema da minha vida: minha mãe já não estava mais fisicamente entre nós… 

Um dos seus pedidos a Deus era para que morresse dormindo, sem sofrer e assim aconteceu… Deus ouviu suas preces.

E eu, embora soubesse que ela estava muito debilitada e sofrendo fisicamente, senti a pior dor da minha vida até hoje.

Reflexões Sobre a Decisão e o Amor Incondicional

me cobrei inúmeras vezes se deveria ter levado ela para a ILPI ou insistido em ficar com ela no meu apartamento. 

Porém, sei que, naquele momento, eu não tinha condições nem conhecimento para cuidar dela: ela não comia, não queria tomar os remédios, reclamava de dor quando íamos trocá-la ou dar banho… Acredito que, se tivesse ficado comigo, teria recebido um amor familiar mais próximo, mas não teria tido os cuidados adequados de pessoas com conhecimento e preparo, o que poderia ter sido pior para sua recuperação.

Agi por amor, pensando no melhor para ela. O que mais importava naquele momento, para mim como filha, era sua saúde e recuperação.

Acredito que quando agimos com AMOR não existe certo ou errado.

Eu fiz o que acreditei ser melhor para ela naquele instante, ainda que sendo uma decisão difícil. 

Foi a decisão correta: não sei… naquele momento sim, foi uma decisão de quem amava sua mãe e queria ver ela bem cuidada fisicamente e emocionalmente.

Gratidão a Todos Que Apoiaram Nesse Período

Sempre serei grata às pessoas que cuidaram dela nesse período que ela mais precisou, pois sei que se dedicaram a oferecer o melhor para ela nas condições em que se encontrava, Sim, elas fizeram seu trabalho como profissionais, mas sempre senti um grande carinho e cuidado com todos moradores da clínica, não se tratava somente de dinheiro

E, um dos seus pedidos antes de falecer, foi a de que eu presenteasse a todas as “meninas”, como ela as chamava, no Natal como símbolo de gratidão por tudo que faziam por ela.

Foto enviada pela autora – ©proibido reprodução.

Me lembro sempre de  muitos momentos felizes da minha mãe dentro da Casa e isso traz conforto ao meu coração.

A Eterna Lembrança e o Amor Que Nunca Acaba

Jamais vou esquecê-la e, em alguns dias, a saudade ainda escorre pelos olhos

Meu amor por ela transcende o espaço entre céu e terra, será sempre e para sempre.

O que tiro de tudo isso que vivi: amem seus pais, estejam sempre de alguma forma presente na vida deles, sejam gratos, compartilhem momentos felizes e quando tiverem alguma decisão difícil a tomar tomem com o coração. Se foi a decisão certa ou errada, não importa, o que importa é o AMOR que fica.

Não posso deixar também de agradecer a meu marido Fernando, meu filho Lucas, minha sogra Tita e minha cachorrinha Nina, que sempre estiverem presentes e me ajudaram muito passar por esse período. Eles foram fundamentais para que eu conseguisse levar o melhor de mim para minha mãe. 

E para não ser injusta, outras pessoas também me ajudaram nesse período, como amigos e familiares e também serei eternamente grata.

Rosa Crepuschi Martins, minha MÃE, você baterá no meu coração para sempre até meu último suspiro e não há um dia que deixo de me lembrar de você.
Te AMO.

Foto enviada pela autora – ©proibido reprodução.

Simone Moreira.

Nota Pessoal de Aline Salla

Minha família sempre teve o privilégio de conviver com a Dona Rosa, nossa vizinha querida que, com seu jeito acolhedor, fez parte da nossa história. Ela nos viu crescer — eu, minha irmã e meu irmão — e, desde cedo, aprendi o quanto os laços de amizade podem transformar um bairro em uma verdadeira extensão da família.

Antes de me mudar para a Itália, em 2019, fui dar um abraço e me despedir pessoalmente de Dona Rosa, ela, com toda sua ternura, me disse: “Line, você vai para longe, mas não vai se esquecer de mim, hein?” Naquele momento, selamos uma promessa que carrego comigo até hoje: jamais esquecerei essa mulher tão especial que sempre nos acolheu com tanto carinho. É uma honra ter sua história na Revista Cuidar.

Em nome da minha família, expresso minha imensa gratidão por ter tido a sorte de ter Dona Rosa em nossas vidas. Sua generosidade e sua presença constante eram uma verdadeira troca de afeto, onde cada gesto sincero reforçava os laços que nos uniam.

Lembro com carinho de como ela se alegrava ao ir à casa da Simone, sempre arrumada e ansiosa no portão, esperando pela carona da filha ou do genro Fernando. Esses momentos refletem a luz e o amor que ela sempre irradiou, marcando nossos corações para sempre.

About the Author: Aline Salla

Fundadora e Diretora editorial da Revista Cuidar

Gratidão de coração

Se este artigo foi útil para você, torne-se um assinante e apoie o trabalho da revista CUIDAR. Você terá acesso a artigos exclusivos!



Especial Família.

Cuidar de um ente querido na velhice é um desafio repleto de amor e decisões difíceis. Neste relato comovente, a filha Simone compartilha sua jornada ao lidar com a fragilidade repentina da mãe, as escolhas feitas para garantir seu bem-estar e a importância dos laços de afeto que transcendem a família de sangue.

Autora: Simone Moreira 

Primeiramente, quero agradecer a Aline Salla pela oportunidade de contar um pouco sobre a minha mãe e um dos momentos mais difíceis que tive que enfrentar: o envelhecimento da minha mãe, seu mal súbito e a dependência de outras pessoas no seu dia-a-dia. 

E chegou o momento de refletir: o que fazer para dar o melhor para minha mãe nessa fase da vida?

Para elucidar sobre a importância da família Salla na vida da minha mãe, eles estiveram sempre presentes nos melhores e nos momentos mais difíceis. Considero todos como uma extensão da vida da minha mãezinha e foram muito mais importantes do que alguns familiares de sangue.
Sempre serei agradecida a todos pelo laço de amizade criado com minha mãe e tudo que compartilharam, a história entre as famílias continuará até a eternidade.

Gratidão hoje e sempre.

O Envelhecimento da Minha Mãe e o Mal Súbito

Esse capítulo da história começa assim:

Outubro de 2019, um dos momentos mais difíceis da minha vida: minha mãe teve um mal súbito e parou de andar… 

Corremos para o hospital… Após vários exames e cuidados a mandaram para casa, alegando que não tinha nada mais a ser feito, todos os exames, segundo os especialistas, estavam dentro da normalidade. 

Como ela morava sozinha, aos 87 anos, por uma opção dela, trouxe para ficar comigo e se recuperar, na esperança de vê-la andar novamente.

Foram dias difíceis: ela não queria comer, não queria e não conseguia andar, cuspia para fora da boca todos os medicamentos e só queria dormir. 

Como trabalhava fora, inclusive para tentar dar o melhor conforto para minha mãe (pagando pelo seu convênio, sistema de monitoramento e emergência em sua residência com plano com ambulância e paramédicos, entre outros), contratei uma enfermeira para ficar com ela até o horário da minha chegada em casa. Além da enfermeira, contava com uma ajudante doméstica, que também dava toda assistência. Quando estávamos em casa, todos ajudávamos também: eu, meu marido e meu filho.

A Busca por Soluções e a Dificuldade de Cuidar em Casa

Mas minha mãe não estava preparada para essa dependência física e não aceitou a presença da enfermeira: não comia, não deixava medir a pressão, não queria tomar banho, reclamava que estávamos machucando para trocar a fralda, virar ela, dar banho… me sentia impotente e via que ela estava sofrendo, assim como nós. Só como parênteses: nós, familiares, também, muitas vezes não nos preparamos para esse momento: enfrentar a velhice dos nossos pais…

Achei que pudesse ser culpa da enfermeira e decidi contratar outra, porém o problema se repetia, o que me deu um desespero imenso, pois sabia da necessidade dela em se alimentar e tomar todos os medicamentos para se recuperar.

Nesse meio tempo, como minha mãe era muito religiosa e tinha uma fé inabalável em Deus, pedi para que o pastor da igreja, onde ela frequentava viesse até meu apartamento para orar, conversar e ver se conseguia animá-la, mas, infelizmente, não tive um grande resultado, ela continuava sem querer comer e sem tomar os medicamentos. E, a cada dia que passava eu via minha mãe sem reagir, e eu ficava ainda mais triste por não saber como ajudá-la. 

A Realidade da Velhice e a Falta de Apoio Familiar

Decidi pedir ajuda para meus irmãos, somos 3 filhos, sugerindo que minha mãe ficasse um período com cada um… mas a resposta foi a pior possível: trabalhamos e não temos como ajudar, nem fisicamente e nem financeiramente. Isso me deixou bem triste, porque fui eu quem sempre cuidou da minha mãe e no momento que ela mais precisava ninguém quis cooperarInfelizmente, as famílias não se unem para cuidar dos pais quando estes envelhecem, é uma triste realidade.

Foi daí que uma pessoa muito querida, amiga da família, recomendou um lugar que ela já havia trabalhado como cuidadora e que, nesse mesmo lugar, estava trabalhando outra cuidadora que minha mãe gostava bastante, inclusive que era de uma família muito amiga da minha mãe (a própria Família Salla).

Assim como a maioria das pessoas, eu tinha um pré-conceito formado sobre esses lugares, mas ainda assim resolvi avaliar essa possibilidade, pensando em como ajudar a minha mãe nesse momento difícil.

Foi então que liguei para a proprietária e fui visitar, antes de falar com minha mãe. 

O lugar era praticamente só para mulheres, moravam apenas 2 homens que ficavam em quartos separados, só ficavam juntos em momentos de integração, alimentação e banho de sol.

O espaço era bem limpo, iluminado, arejado e não tinha cheiro ruim.

A comida era bem caseira e as cuidadoras bem carinhosas com os idosos. 

Tinha uma Golden Retriever que interagia com os idosos e percebia o quanto eles gostavam.

Mas o que mais me impactou, positivamente, foi a liberdade que eu tinha em poder visitar minha mãe a qualquer horário, além de poder levá-la para passear e voltar no horário que fosse conveniente para nós. 

Isso me deu a segurança de que a Casa era séria e tinha transparência na prestação de serviço.

A Escolha Difícil: ILPI ou Cuidado em Casa?

Após a visita, resolvi conversar com a minha mãe sobre as possibilidades mais viáveis naquele momento:  

– Ela continuar morando comigo, porém  teria que aceitar o apoio de uma enfermeira. 

– A possibilidade de ir temporariamente para uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) e contar com todo cuidado que a Casa oferecia, além de estar ao lado de uma enfermeira amiga que ela gostava muito e que sabíamos que cuidaria dela com muito carinho.

Em ambas as opções, combinamos que, caso ela se recuperasse bem, poderia voltar a morar na casa dela, com alguém dando todo o suporte a ela, ou voltar a morar comigo. 

A opção dela foi a de ir para a ILPI.

A Adaptação e os Primeiros Sinais de Recuperação

No começo da sua permanência na Casa, ela foi se recuperando aos poucos. Embora fisicamente ainda estivesse debilitada, sem andar, começou a se alimentar bem e tomar os medicamentos. 

Vi a vida voltando a pulsar dentro da minha mãe. Inclusive ela conversava bastante com as outras pessoas lúcidas da casa. 

Recebia vídeos dela fazendo fisioterapia, almoçando, conversando, nas festinhas… 

Várias pessoas iam visitá-la, o que fazia com que não se sentisse abandonada.

Só um breve resumo, antes de ficar doente, ela sempre gostou de viajar, passear, ir à igreja, ir a bingos, comer coisas diferentes… ela tinha sede pela vida, ainda que com alguns problemas de doença controláveis. Ela teve por 2 x AVC e 1 x infarto, mas se recuperou e ficou praticamente sem sequelas. Era diabética e tinha arritmia cardíaca. Mas isso nunca a impediu de ir à luta.

Sempre foi independente, empoderada, vaidosa, fazia o que queria e como queria.

Tinha um temperamento forte, mas seu coração era gigante. Ajudava a todos humanos que podia e a animais.

Quantas vezes ela encontrava cachorro e gato na rua, mal cuidados, e os levava para casa…

Se cruzasse com alguém na rua passando necessidade ela ajudava, mesmo sem conhecer.

Trabalhou até se aposentar e me ajudou a cuidar do meu filho enquanto era pequeno. 

Ela era uma mulher muito forte, gostava de ser ativa e útil. 

Um exemplo de mulher à frente do seu tempo.

Carrego dentro de mim seus valores como mulher e ser humano. Sempre serei grata por tudo que fez por mim e minha família, até quando pode.

Voltando para o período que ficou na ILPI… 

A proprietária tinha um profundo conhecimento sobre doenças e isso ajudou muito a identificar e a cuidar da minha mãe e, quando se tratava de algo mais sério, solicitava a presença de um médico para avaliação.

Um outro ponto positivo da Casa eram as festas em datas comemorativas: no aniversário dela pudemos celebrar, tinha festa no Dia das Mães, festa junina, Natal, entre outros… isso a deixava mais animada, pois ela sempre gostou de estar com pessoas.

Nos períodos em que minha mãe se encontrava bem, sempre dizia que gostaria de ficar lá, ainda que recuperada, por se sentir acolhida e ter carinho de todos dentro da Casa.

Porém, pelo fato de não andar e ficar muito tempo deitada e sentada, após alguns meses, a imunidade dela foi caindo: teve algumas feridas pelo corpo, pneumonia, herpes zoster… foram momentos que me machucavam emocionalmente, pois sempre vi minha mãe ativa e vê-la naquele estado doía minha alma. 

A imagem que tinha da minha mãe era de uma mulher forte, que jamais dependeria de outras pessoas para coisas básicas do dia-a-dia.

Aliado a isso, infelizmente, em março de 2020 veio a pandemia. 

O Impacto da Pandemia na Vida da Minha Mãe

Por um lado, foi bom minha mãe estar em um local onde os cuidados para proteger os idosos de doenças e evitar o vírus eram rigorosos, além do distanciamento físico exigido.

Porém, não podíamos nos tocar, as visitas começaram a ser bem distantes fisicamente e com todo o cuidado necessário (touca, luvas, avental, pró-pé, máscara) …eu acho que isso foi deixando minha mãe mais apática. 

Mesmo com a pandemia, eu nunca deixei de estar presente… visitava minha mãe praticamente todos os dias e, quando não podia ir, iam: meu marido, minha sogra, alguns amigos… Isso, para mim, é fundamental quando optamos por uma ILPI, afinal mudamos toda a rotina e o idoso sai da sua zona de conforto “seu lar”. Precisamos dar muito amor para suprir essa “perda física de espaço e pessoas da família”. 

Além das visitas, levava coisas que ela gostava de comer, de acordo com a dieta aprovada pelo médico e o que era permitido pela proprietária da casa, era uma forma de demonstrar meu carinho por ela. 

Gostava que deixassem minha mãe com uma aparência limpa e zelosa e procurava levar roupas e calçados novos. 

Levei para o quarto dela uma TV, ela sempre gostou muito de assistir alguns programas e novelas. Adorava quando chegava na casa dela e estava rindo com alguns programas. Eram gargalhadas que sempre ficarão na minha memória…

Posso dizer que nesse período, minha mãe teve bons momentos, mas alguns foram mais difíceis… 

A Degradação da Saúde e os Sinais de Despedida

Com o passar do tempo a cabeça dela começou a  ficar ruim também: demência senil devido a seus 88 anos. O que foi bem difícil para mim, porque ela sempre teve uma excelente memória. Lembrava de todos aniversários, de coisas do passado, fazia contas de cabeça, coisas que passamos juntas e eu, mais jovem, já não me recordava com tanta clareza.

Um fato importante aconteceu durante o período em que ficou na Casa e já dava sinais de piora: cerca de dois meses antes de falecer, ela começou a falar muito sobre os pais, dizendo que sentia muita saudade… Ainda que católica, tenho um lado ligado ao espiritismo, e isso começou a me preocupar, pois já sentia que ela estava querendo se despedir, querendo deixar de viver.

Foi quando ela começou a oscilar entre querer ficar na clínica e querer voltar para sua casa. 

O Último Pedido e a Partida Sem Sofrimento

No dia 15/11/2020, quando da minha última visita, ela me falou que queria voltar para a casa dela e eu tinha decidido realizar o seu desejo. 

Perguntei se ela queria ficar comigo no meu apartamento, mas ela me disse que não, que preferiria voltar para o “cantinho dela” com suas coisas pessoais. 

Já tinha me programado para começar a buscar por um grupo de apoio para que ela pudesse voltar para seu lar, porém no dia 16/11/2020 recebi o pior telefonema da minha vida: minha mãe já não estava mais fisicamente entre nós… 

Um dos seus pedidos a Deus era para que morresse dormindo, sem sofrer e assim aconteceu… Deus ouviu suas preces.

E eu, embora soubesse que ela estava muito debilitada e sofrendo fisicamente, senti a pior dor da minha vida até hoje.

Reflexões Sobre a Decisão e o Amor Incondicional

me cobrei inúmeras vezes se deveria ter levado ela para a ILPI ou insistido em ficar com ela no meu apartamento. 

Porém, sei que, naquele momento, eu não tinha condições nem conhecimento para cuidar dela: ela não comia, não queria tomar os remédios, reclamava de dor quando íamos trocá-la ou dar banho… Acredito que, se tivesse ficado comigo, teria recebido um amor familiar mais próximo, mas não teria tido os cuidados adequados de pessoas com conhecimento e preparo, o que poderia ter sido pior para sua recuperação.

Agi por amor, pensando no melhor para ela. O que mais importava naquele momento, para mim como filha, era sua saúde e recuperação.

Acredito que quando agimos com AMOR não existe certo ou errado.

Eu fiz o que acreditei ser melhor para ela naquele instante, ainda que sendo uma decisão difícil. 

Foi a decisão correta: não sei… naquele momento sim, foi uma decisão de quem amava sua mãe e queria ver ela bem cuidada fisicamente e emocionalmente.

Gratidão a Todos Que Apoiaram Nesse Período

Sempre serei grata às pessoas que cuidaram dela nesse período que ela mais precisou, pois sei que se dedicaram a oferecer o melhor para ela nas condições em que se encontrava, Sim, elas fizeram seu trabalho como profissionais, mas sempre senti um grande carinho e cuidado com todos moradores da clínica, não se tratava somente de dinheiro

E, um dos seus pedidos antes de falecer, foi a de que eu presenteasse a todas as “meninas”, como ela as chamava, no Natal como símbolo de gratidão por tudo que faziam por ela.

Foto enviada pela autora – ©proibido reprodução.

Me lembro sempre de  muitos momentos felizes da minha mãe dentro da Casa e isso traz conforto ao meu coração.

A Eterna Lembrança e o Amor Que Nunca Acaba

Jamais vou esquecê-la e, em alguns dias, a saudade ainda escorre pelos olhos

Meu amor por ela transcende o espaço entre céu e terra, será sempre e para sempre.

O que tiro de tudo isso que vivi: amem seus pais, estejam sempre de alguma forma presente na vida deles, sejam gratos, compartilhem momentos felizes e quando tiverem alguma decisão difícil a tomar tomem com o coração. Se foi a decisão certa ou errada, não importa, o que importa é o AMOR que fica.

Não posso deixar também de agradecer a meu marido Fernando, meu filho Lucas, minha sogra Tita e minha cachorrinha Nina, que sempre estiverem presentes e me ajudaram muito passar por esse período. Eles foram fundamentais para que eu conseguisse levar o melhor de mim para minha mãe. 

E para não ser injusta, outras pessoas também me ajudaram nesse período, como amigos e familiares e também serei eternamente grata.

Rosa Crepuschi Martins, minha MÃE, você baterá no meu coração para sempre até meu último suspiro e não há um dia que deixo de me lembrar de você.
Te AMO.

Foto enviada pela autora – ©proibido reprodução.

Simone Moreira.

Nota Pessoal de Aline Salla

Minha família sempre teve o privilégio de conviver com a Dona Rosa, nossa vizinha querida que, com seu jeito acolhedor, fez parte da nossa história. Ela nos viu crescer — eu, minha irmã e meu irmão — e, desde cedo, aprendi o quanto os laços de amizade podem transformar um bairro em uma verdadeira extensão da família.

Antes de me mudar para a Itália, em 2019, fui dar um abraço e me despedir pessoalmente de Dona Rosa, ela, com toda sua ternura, me disse: “Line, você vai para longe, mas não vai se esquecer de mim, hein?” Naquele momento, selamos uma promessa que carrego comigo até hoje: jamais esquecerei essa mulher tão especial que sempre nos acolheu com tanto carinho. É uma honra ter sua história na Revista Cuidar.

Em nome da minha família, expresso minha imensa gratidão por ter tido a sorte de ter Dona Rosa em nossas vidas. Sua generosidade e sua presença constante eram uma verdadeira troca de afeto, onde cada gesto sincero reforçava os laços que nos uniam.

Lembro com carinho de como ela se alegrava ao ir à casa da Simone, sempre arrumada e ansiosa no portão, esperando pela carona da filha ou do genro Fernando. Esses momentos refletem a luz e o amor que ela sempre irradiou, marcando nossos corações para sempre.

About the Author: Aline Salla

Fundadora e Diretora editorial da Revista Cuidar

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