Caros leitores,
Agradecemos as mais de 560 visualizações no vídeo de lançamento da Revista Cuidar e os mais de 1.000 acessos à revista em apenas cinco dias, de forma absolutamente orgânica. É com esse entusiasmo que abrimos a Semana Cuidar com um artigo que diz respeito a cada um de nós.
Mortalidade e Urgência
“Viva como se fosse destinado a viver para sempre… enquanto, na verdade, aquele dia que recebemos de presente pode ser o nosso último.” (Sêneca)
Ao revisitarmos Sêneca, somos lembrados de que, apesar de nossa fragilidade, agimos como se fôssemos invencíveis. No campo do envelhecimento, essa ilusão compromete a tomada de decisões — adiamos cuidados e deixamos para “amanhã” ações que podem salvar vidas hoje.
Do Macro ao Micro: A Transformação Começa em Casa
Minhas experiências — do trabalho remoto com especialistas em geriatria e gerontologia à convivência em diferentes bairros mundo afora — confirmam: mudanças locais geram impactos reais. Seja uma horta comunitária, um grupo de convivência intergeracional ou um programa de visitação domiciliar, cada iniciativa transforma positivamente o dia a dia das pessoas.
Dados do Censo Demográfico de 2022 mostram que o Brasil já conta com mais de 22 milhões de pessoas com 65 anos ou mais, o equivalente a 10,9% da população.
“Antes de esperar grandes reformas, olhe primeiro para o quintal da sua casa.”
É nessa filosofia de protagonismo microlocal que a Revista Cuidar acredita: cada ILPI, por menor que seja, pode ser semente de uma revolução no cuidado.
Transição: Do Local ao Legado
Antes de avançarmos com nossas reflexões, é importante reconhecer que cada iniciativa local de hoje apoia-se no legado de visionários que, décadas atrás, já antecipavam os desafios do envelhecimento no Brasil. Foram esses pioneiros que forneceram a base teórica e prática necessária para que hoje possamos atuar com confiança — em nossas casas, em nossos bairros e nas ILPI —, transformando ideias em cuidado concreto.
Importante ressalva: os nomes a seguir representam apenas alguns entre tantos profissionais que contribuíram — e seguem contribuindo — para a construção de um cuidado mais digno e qualificado no Brasil. Este reconhecimento se estende a todos os pioneiros e pioneiras, muitas vezes atuando longe dos holofotes, cuja dedicação molda silenciosamente o presente e inspira o futuro.
Lições de Pioneiros:
- Alexandre Kalache (1975): durante seu mestrado em Medicina Social em Londres, Kalache percebeu que o envelhecimento do Brasil ocorreria muito mais rápido do que em países desenvolvidos.
- Kalache & Ramos (1987): o artigo “O envelhecimento da população mundial: um desafio” destacava, há quase quatro décadas, a urgência de políticas de bem‐estar social e cuidados à saúde do idoso.
- João Toniolo: ao introduzir o conceito de “idade funcional”, Toniolo reforça que autonomia e capacidade de realizar atividades diárias devem guiar os parâmetros de cuidado, mais do que a cronologia etária.
- Ana Amélia Camarano e Karla Giacomin: em audiências públicas, têm minuciosamente apontado os desafios das ILPI, especialmente a carência de recursos e a necessidade de apoio federal.
O envelhecimento da população brasileira nos desafia a agir com mais consciência e compromisso. Valorizar quem cuida e quem é cuidado é reconhecer que as ILPI são parte essencial dessa rede de proteção à vida.
Sabemos que integrar saúde e assistência social é um caminho desejável, mas que desperta preocupações legítimas entre muitas instituições — preocupações que precisam ser ouvidas com respeito. O avanço só será real se for construído de forma gradual, oferecendo apoio técnico, recursos e respeitando a identidade de cada instituição.
É urgente assegurar o acesso pleno ao SUS para todos os residentes, independentemente da natureza jurídica da ILPI, e viabilizar linhas de financiamento que fortaleçam a sustentabilidade dessas casas. Mais do que fiscalizar, é preciso apoiar; mais do que exigir, é preciso caminhar junto.
O futuro que desejamos começa com passos firmes no presente: ampliar o reconhecimento social das ILPI, garantir meios para seu fortalecimento, incentivar boas práticas e construir redes solidárias entre governo, sociedade civil e iniciativa privada.
A Revista Cuidar nasce para somar com vozes e ser mais uma ponte — de inspiração, de união e de transformação. Porque envelhecer é parte da vida, e toda vida merece ser cuidada com dignidade.
Convite ao Coração das ILPI
Como diretora editorial e fundadora da Revista Cuidar, convido cada um de vocês a:
- Compartilhar suas boas práticas em nossas plataformas;
- Unir suas vozes numa coalizão de transformações;
- Transformar cada relato em um farol de inspiração para quem ainda hesita.
Infelizmente, ainda hoje, muitas instituições sobrevivem com o repasse médio das prefeituras — cerca de R$ 250,00 por idoso — e sustentam-se à custa de rifas e doações para garantir o básico.
Combater a desigualdade é urgente, mas ela não será superada apenas com críticas: é pela visibilidade, pela união e pela ação concreta que construiremos mudanças reais.
É preciso olhar para dentro de cada instituição, de cada bairro, de cada lar — e reconhecer que todos somos parte desta grande família.
Epílogo: Legado e Dignidade
Cabe lembrar Tomiko Born, que, após longos debates na Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), cunhou o termo “ILPI” e defendeu, desde 2005, o respeito à dignidade em instituições de longa permanência para idosos. Seu legado nos lembra: dignidade e afeto são direitos inalienáveis.
Que este artigo da Revista Cuidar reacenda em cada leitor o compromisso de cuidar — não por obrigação burocrática, mas como um gesto de humanidade. Afinal, somos mortais; cabe a nós escolher o legado que deixaremos.