Por: Editora Dapero – Revista Cura
Contenção e demência: a consciência da doença
Já está comprovado que mesmo a pessoa que enfrenta formas de declínio cognitivo tem consciência da doença, do seu progressivo “perder-se” e sente medo disso.
Quantas vezes se dá espaço para ouvir esses medos? E, além disso, quantos de nós, assustados e impedidos de se expressar, manifestariam raiva, impaciência ou insônia?
Felizmente, estamos testemunhando o surgimento de muitas iniciativas que ouvem a voz das pessoas que vivem com demência, enfatizando a importância de suas narrativas para entender melhor suas necessidades e desejos. Paralelamente, muitos enfoques estão mostrando o quanto é importante manter vivas as emoções dessas pessoas e trabalhar no plano emocional para abordar os problemas comportamentais sem o uso de contenções. Pelo contrário, esses enfoques buscam fazer emergir toda a riqueza que permanece presente mesmo após o início e o agravamento da doença.
Se e quando a contenção é estritamente necessária
Algumas reflexões importantes sobre contenções em geral, e ainda mais sobre o binômio contenção e demência.
Contenção e demência? Melhor comunicar as emoções
A primeira reflexão diz respeito certamente à real necessidade de utilização dessas práticas. Se existem países em que foi possível reduzi-las ao mínimo, ou até mesmo aboli-las, isso significa que um esforço comum e coordenado entre estruturas de saúde e formuladores de políticas é de fundamental importância para introduzir e desenvolver uma nova cultura organizacional que leve a um gerenciamento “mais humano” e, consequentemente, mais eficaz do residente.
Sim, porque a literatura mais recente nos mostra (e comprova) que a humanidade é o primeiro instrumento de cuidado (e, muitas vezes, o mais eficaz) e que, especialmente em pessoas com Alzheimer ou demência, uma abordagem baseada na gestão e na comunicação das emoções é significativamente mais eficaz do que uma abordagem de contenção e coerção, que, quase sempre (e compreensivelmente), acaba apenas aumentando o estado de desconforto e o nível de agressividade do residente.
Contenção e demência: melhor envolvimento, planejamento e compartilhamento
A segunda reflexão aborda a forma de uso das contenções quando estas se revelam estritamente necessárias para a segurança do paciente. Em uma era que enfatiza a participação ativa dos pacientes nas decisões médicas — para que não sejam meros receptores passivos de cuidados, mas protagonistas de seu próprio percurso clínico —, torna-se imprescindível, sempre que o estado cognitivo do paciente permitir, envolvê-lo no planejamento dos tratamentos. Isso deve ocorrer através de um diálogo aberto com a equipe de saúde, visando fornecer suporte emocional e prático, mesmo nas situações mais críticas.
Entre os pacientes submetidos à contenção, aqueles que tiveram a oportunidade de se relacionar e dialogar com a equipe de saúde relataram experiências menos traumáticas. Esses mesmos pacientes mencionaram sentir, naquela situação, uma forte necessidade de ter alguém com quem conversar, de receber gentileza, comportamentos humanos, escuta empática, atenção, compreensão e respeito. Outros expressaram o desejo de passar mais tempo com os profissionais de saúde, contentando-se mesmo com a simples presença silenciosa ao seu lado. A presença física da equipe, durante o período de contenção, foi apontada por muitos como fator fundamental para se sentirem seguros. Por outro lado, quando a equipe se mantinha à distância, a experiência era descrita como negativa.
Promover uma cultura livre de contenções
A terceira e última consideração coloca o foco em quais ações podem ser mais eficazes para promover uma cultura “livre de contenções”. Como mencionamos, um dos principais motivos que “justificam” o uso de dispositivos de contenção é garantir a segurança do assistido, especialmente diante da prática cada vez mais comum da medicina defensiva e em um contexto frequentemente marcado pela falta de recursos humanos, materiais e culturais, bem como por limitações estruturais e pela ausência de políticas e regulamentações sanitárias adequadas.
Isso implica que, para reduzir ou eliminar o uso de contenções, é necessário:
- Aumentar a disponibilidade de recursos materiais e humanos qualificados;
- Definir e aplicar procedimentos organizacionais específicos e claros em cada instituição, voltados especificamente para prevenir a necessidade de contenções;
- Estabelecer diretrizes internas que orientem o monitoramento e a avaliação constante das práticas de contenção;
- Promover treinamentos regulares que capacitem as equipes para reconhecerem e implementarem estratégias alternativas.
Certamente, nessa perspectiva, a educação e a sensibilização dos enfermeiros e de todos os stakeholders envolvidos assumem um papel absolutamente fundamental. É muito comum que a contenção física seja vista, especialmente em ILPIs, como uma intervenção protetora de rotina — muitas vezes aparentemente justificada pela situação. No entanto, de acordo com o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem (Resolução COFEN nº 564/2017), com a Resolução COFEN nº 746/2024 e com diretrizes internacionais, a contenção deve ser empregada apenas em casos verdadeiramente excepcionais.
Além de todas as razões já apontadas, essa prática persiste principalmente pela falta de conhecimento e atenção — não apenas quanto às consequências psicológicas e aos efeitos que um período de contenção pode ter na qualidade de vida do residente, mas também em relação às estratégias alternativas que poderiam ser adotadas, de maneira mais eficaz e segura, para promover comportamentos menos arriscados e agressivos.
Essas reflexões e a necessidade de métodos mais humanos têm conduzido, nos últimos anos, ao desenvolvimento dos chamados Núcleos Alzheimer, áreas de cuidado e assistência dedicadas a pessoas com demência que apresentam distúrbios de comportamento. Esses núcleos nasceram com o objetivo de garantir proteção e segurança aos residentes, envolvendo-os em atividades de estimulação cognitiva e emocional por meio de intervenções e terapias não farmacológicas e sem uso de contenções. Promover uma nova visão de assistência e cuidado às pessoas com demência, atuando tanto nas pessoas quanto nos processos organizacionais das instituições, é, sem dúvida, o objetivo a ser perseguido hoje, visando melhorar não apenas o processo de cuidado, mas também a qualidade de vida de pacientes e profissionais.
Como disse Franco Basaglia: “Abrir a instituição (referindo-se ao manicômio) não é abrir uma porta, mas sim nossa mente frente ao paciente.” Nas ILPI, o mesmo princípio se aplica à questão das contenções e do cuidado à pessoa idosa: somente libertando a mente dos vínculos que muitas vezes nós mesmos construímos, ou que nos foram ensinados ou até mesmo impostos, poderemos libertar os residentes desse vínculo antigo, obsoleto e prejudicial das contenções. Assim, poderemos criar aquele futuro do Cuidado ao qual todos nós desejamos pertencer.
Traduzido e adaptado para o Brasil por: Aline Salla.
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Interessante, reflexivo.
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Muito bom, a contenção as vezes se faz necessário, mas precisamos sempre pensar: será q precisa? Quanto tempo precisa ficar contido? Vamos andar com ele pelo menos 3-4 vezes ao dia ….
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Perfeitas colocações e ótimas reflexões o quanto cuidar e uma forma humanista! Se colocar no lugar do outro faz muito sentido para mim!! O método de contenção deve se usar restrito casos! Mas acredito que tudo tem uma forma gentil carinhosa respeitosa de se tratar e cuidar!!
Interessante, reflexivo.
Muito bom, a contenção as vezes se faz necessário, mas precisamos sempre pensar: será q precisa? Quanto tempo precisa ficar contido? Vamos andar com ele pelo menos 3-4 vezes ao dia ….
Perfeitas colocações e ótimas reflexões o quanto cuidar e uma forma humanista! Se colocar no lugar do outro faz muito sentido para mim!! O método de contenção deve se usar restrito casos! Mas acredito que tudo tem uma forma gentil carinhosa respeitosa de se tratar e cuidar!!