Por: LETIZIA ESPANOLI – Sente-mente®
Artigo autorizado, traduzido em parceria com ALINE SALLA – Revista Cuidar.

Foto de capa: Projeto mãos que cuidam

A gentileza pode ser uma poderosa ferramenta de transformação? Como mudaria a experiência na ILPI onde você trabalha se houvesse mais gentileza? Como se sentiriam os residentes, os familiares, o pessoal em um ambiente marcado por maior gentileza e colaboração? Consegue imaginar pessoas que se comunicam entre si com cortesia, que se apoiam mutuamente, funcionários satisfeitos com suas ações de cuidado e que encontram um significado mais profundo em seu trabalho?

O poder transformador da gentileza

O padrão ouro da assistência à saúde é uma interação profissional que mescla a arte da gentileza e da compaixão com a ciência aplicada (Fryburg DA, Ureles SD, Myrick JG, Carpentier FD e Oliver MB, 2021).

Não se trata apenas de um gesto cortês ou de uma palavra gentil, mas de um verdadeiro antídoto aos maus-tratos. A gentileza tem o poder de transformar relacionamentos, de criar ambientes mais saudáveis e de promover o bem-estar tanto individual quanto coletivo. Neste artigo, exploraremos como e por que a gentileza pode ser a chave para prevenir e combater os abusos, oferecendo uma perspectiva nova e positiva sobre como podemos melhorar nossas interações cotidianas.

“A gentileza não é apenas sorrir, a gentileza não é apenas ter o outro em mente, mas a gentileza é justamente isso: estar em relação com o outro com antenas ligadas para conseguir doar algo a mais, algo que gere no outro gratidão, que crie no outro apreço, que faça o outro sentir aquela sensação maravilhosa de ser visto.”
— Letizia Espanoli

Gentileza é, antes de tudo, cuidar de si mesmo

A gentileza é a coragem de cuidar das próprias emoções para reencontrar a serenidade e poder encontrar o outro num espaço de acolhimento e ternura. Quando cada gesto nosso, consciente e intencional, é pleno de precisão, presença e atenção, nosso ser como profissionais de cuidado e relacionamento torna-se solo fértil para florescer: nós mesmos, as pessoas de quem cuidamos, os colegas, os familiares, a organização inteira.

A Dra. K. Neff, psicóloga e pesquisadora, sugere alguns ingredientes especiais para cuidar com gentileza de nós mesmos:

  1. Autogentileza

  2. Senso de humanidade

  3. Consciência plena

Autogentileza refere-se à capacidade de cuidar de si mesmo com a mesma gentileza, compreensão e apoio que se ofereceria a um amigo querido, especialmente nos momentos de dificuldade. Significa ser gentil e compreensivo consigo próprio, evitando autocriticar-se em excesso e reconhecendo que todos cometemos erros e enfrentamos desafios. Isso permite manter o equilíbrio emocional e promover o bem-estar psicológico.

Senso de humanidade diz respeito à competência de reconhecer que todos os seres humanos compartilham experiências de sofrimento, falhas e imperfeições. As dificuldades que enfrentamos não são experiências isoladas; fazem parte da vivência humana universal. Esse senso de humanidade nos ajuda a sentir menos solidão nas adversidades e a desenvolver maior empatia por nós mesmos e pelos outros. Em vez de nos sentirmos isolados ou julgarmos severamente quando erramos, lembramos que todo mundo passa por momentos delicados. Cultivar esse sentimento de humanidade favorece o crescimento pessoal e do time, pois reconhecemos que trabalhar juntos é essencial para enfrentar os desafios.

Consciência plena (mindfulness) é a capacidade de estar totalmente presente e ciente do momento atual, sem julgamento. Isso significa observar nossos pensamentos e sentimentos como são, sem tentar suprimi-los ou negá-los. A consciência plena implica compreender claramente as próprias experiências, permitindo que se observem emoções e pensamentos sem ser dominado por eles. Dessa forma, conseguimos manter equilíbrio emocional e reagir às situações de forma mais serena e reflexiva. Na prática, a consciência plena permite acolher nossas experiências, mesmo as difíceis, com gentileza e compreensão, promovendo maior bem-estar psicológico e melhor gerenciamento do estresse.

Um “banco emocional” de confiança

Stephen Covey introduz o conceito de “conta emocional” como metáfora para descrever a confiança acumulada nas relações interpessoais.

Como aumentar nosso saldo emocional:

  1. Compreender o que é valioso para o outro
    Cada indivíduo possui uma “conta emocional” própria, baseada em seus valores e prioridades pessoais. Para construir relações de confiança, é fundamental entender o que é importante para a outra pessoa. Isso requer escuta ativa e empatia, de modo a captar as necessidades e os desejos do outro.

  2. Realizar ações em benefício do outro
    Uma vez que entendemos valores, necessidades e expectativas, é preciso agir de tal forma que nossas atitudes sejam percebidas como benéficas. Isso pode incluir gestos de gentileza, cumprir promessas, demonstrar respeito e consideração… Cada ação positiva funciona como um “depósito” na conta emocional do outro, aumentando a confiança e a qualidade do relacionamento.

Reflita sobre todas as ações de cuidado e relacionamento no seu dia de trabalho. Covey ressalta que as relações de confiança se constroem por meio de depósitos contínuos; já os “saques” (gestos negativos ou falta de respeito) diminuem o “saldo” de confiança acumulado. Perguntemo-nos sempre: “Como minhas ações fizeram o outro se sentir? O que posso fazer de diferente para que minhas atitudes beneficiem e aumentem o saldo emocional?”

A gentileza é, intrinsecamente, um dever moral

A gentileza transcende a simples responsabilidade legal — é, de fato, um dever moral, especialmente quando a ação beneficia substancialmente outra pessoa (Caldwell et al., 2014; Murphy, 2001).

Conceitualmente, a gentileza envolve vários elementos:

  • A capacidade cognitiva de compreender as necessidades alheias;

  • As crenças sobre quais normas comportamentais são aceitáveis e os deveres que se têm em relação aos outros;

  • A inteligência emocional para elaborar uma resposta adequada ao outro;

  • Atitudes afetivas ligadas aos valores de gentileza e compaixão, bem como a capacidade emocional de se colocar no lugar do outro;

  • Expectativas sobre deveres ou responsabilidade pessoal de agir, a disposição de conformar-se às normas interpessoais percebidas e a percepção de si mesmo quanto ao controle da própria resposta a uma situação;

  • A intenção de agir de modo gentil para honrar a relação, percebida cognitiva e afetivamente como um dever;

  • As próprias ações ao tratar os outros de maneira considerada gentil e moralmente apropriada (Fishin & Ajzen, 2010).

A gentileza é o antídoto ao burnout e aos maus-tratos

O mau-trato não se resume à violência física de um profissional voltada à pessoa sob seus cuidados. É algo mais profundo: é o sentimento de inadequação e impotência que invade o cuidador. Surge de forma silenciosa, сomo uma corrente lenta que começa nas negligências, no instante em que deixamos de ver o ser humano além da doença e dos sintomas. Quando quem coordena ou dirige o serviço não consegue mais perceber a equipe como um grupo apaixonado por um objetivo — e esse objetivo é “vencer”, mas vencer o quê? Vencer o desafio de gerar bem-estar, de promover a serenidade e alcançar resultados tangíveis que envolvem a qualidade de vida dos residentes.

Então, o que é a gentileza? No livro A gentileza nas relações de cuidado, ela é definida como o antídoto aos maus-tratos. Novos “sementeiros” de gentileza precisam ser plantados nas organizações, cultivados com cuidado e atenção para que germinem e gerem processos inovadores e novas maneiras de prestar cuidado.

O que ocorre nas ILPI onde reina a negligência?

  • Começamos a não escutar mais o “por que ele grita sempre e não há o que fazer”, a não ver e a passar adiante.

  • Aceitamos a ideia de que “não somos culpados, é a organização, é a falta de tempo, por isso trabalhamos como autômatos” (Pessoa que não pensa nem age por si mesma, que tem comportamentos automáticos).

  • O estresse dentro das organizações de cuidado é uma realidade generalizada. Seus fatores podem ser diversos, e a resposta do corpo ao estresse pode prejudicar ou agravar a saúde física e psicológica.

  • Deixamos de ver as pessoas — inclusive a nós mesmos. E o risco é alto: de profissionais de cuidado, tornarmo-nos, sem perceber, carrascos.

Precisamos retornar à nossa humanidade, reapoderando-nos da gentileza que cura, promovendo resiliência e bem-estar.

O impacto significativo nas emoções e no bem-estar

Identificar jeitos de trazer gentileza e compaixão à assistência à saúde tem o potencial de influenciar a qualidade da interação entre residente e equipe de cuidados. O que podemos fazer, como profissionais de Cuidado e Relacionamento, “no nosso pequeno espaço”? Por que devemos cultivar a soft skill da gentileza?

Pontos-chave:

  • Redução do estresse: a gentileza age como um antídoto ao estresse. Quando profissionais de cuidado praticam a gentileza consigo e com os outros, lidam melhor com situações de pressão e desgaste emocional.

  • Melhoria das relações: a gentileza promove interações mais positivas e colaborativas entre membros da equipe de cuidado, resultando em ambiente de trabalho mais harmonioso e maior satisfação profissional.

  • Aumento da satisfação dos residentes: os residentes avaliam melhor a qualidade do cuidado quando percebem gentileza e empatia por parte dos profissionais de saúde.

  • Benefícios emocionais: praticar a gentileza ajuda os cuidadores a manter equilíbrio emocional, permitindo lidar de maneira mais saudável com a dor e o sofrimento alheio, sem se deixarem dominar por eles.

  • Crescimento pessoal e profissional: adotar um mindset orientado à gentileza conduz a desenvolvimento pessoal e aprimoramento de competências relacionais, além de fortalecer a resiliência.

Um campo de prática da gentileza

Um estudo publicado em 2013 (Cooper, Dow, Hay, Livingston e Livingston) perguntou anonimamente aos cuidadores de ILPI como eles definiam as formas de mau-trato e suas causas. A pesquisa também identificou elementos e ações consideradas antídotos aos maus-tratos. Eis alguns desses pontos, conforme mencionado nos artigos anteriores:

  • Sentir-se parte de uma equipe e poder pedir ajuda (trabalho em equipe);

  • Importância da formação e do conhecimento, aprendendo maneiras de reduzir a reatividade (do residente) sem recorrer ao abuso (crescimento profissional, métodos inovadores);

  • Ser capaz de falar com calma — às vezes conversar de forma tranquila pode ajudar (criar relacionamento com intenção e consciência);

  • Não falar alto ou de forma estridente (ambiente e tom de voz);

  • Cuidar das próprias emoções — às vezes, se afastar por um instante para se recompor e, em seguida, tentar reconectar-se (competência e contágio emocional);

  • Descobrir pequenas coisas que tornam o lugar uma “casa” para eles — conhecer a história de vida da pessoa, seus desejos, entender como idosos e pessoas com demência gostariam que fosse uma ILPI.

Todas essas ações são simples e deveriam ser práticas cotidianas em uma ILPI. Entretanto, nos acostumamos com o “sempre foi assim”, deixamos de nos perguntar o que desperta um “distúrbio de comportamento” e justificamos a falta de habilidade em identificar suas causas dizendo “ele se comporta assim porque tem demência, porque…”. Mantivemos um modelo organizacional pouco consciente do próprio estado de ser e do futuro que queremos construir.

Por que a gentileza é o caminho a seguir

O sucesso dos atos gentis pode decorrer do potencial elemento de novidade, que contrasta com o efeito de adaptação (Brickman & Campbell, 1971; Brickman, Coates & Janoff-Bulman, 1978).

A gentileza é contagiosa

O estudo de Keltner et al. (2014) demonstrou que a gentileza é, de fato, contagiosa, ou seja, um ato de gentileza pode desencadear uma cadeia de comportamentos gentis entre as pessoas.

Como isso acontece:

  1. Imitação social
    As pessoas tendem a reproduzir comportamentos que observam nos outros. Quando testemunhamos um ato gentil, somos mais inclinados a fazer o mesmo, criando um efeito dominó de gentileza.

  2. Empatia e conexão
    Atos de gentileza elevam os níveis de empatia e promovem conexão entre as pessoas. Quando alguém é gentil conosco, sentimos mais proximidade e ficamos propensos a retribuir com gentileza.

  3. Bem-estar emocional
    A gentileza não apenas melhora o bem-estar de quem recebe, mas também de quem a pratica. Esse aumento de bem-estar emocional pode motivar novos atos gentis.

  4. Normas sociais
    Em ambientes onde a gentileza é comum, ela se torna norma social. As pessoas se sentem compelidas a seguir essas normas, perpetuando comportamentos gentis.

Esses mecanismos explicam por que a gentileza pode ser um potente antídoto aos maus-tratos. Ao promover um ambiente de gentileza e multiplicar ações gentis, reduzimos comportamentos negativos e criamos uma cultura de respeito e apoio mútuo. É falso afirmar que “não podemos fazer nada”. Podemos muito, escolhendo ser protagonistas e promotores de gestos de cuidado repletos de gentileza.

Chegou a hora de brincar com o “boomerangue da gentileza”

Imagine lançar um boomerang: ao lançá-lo, você coloca em movimento uma ação que, após percorrer certa trajetória, retorna a você. Da mesma forma, quando praticamos um ato de gentileza, lançamos um boomerangue de benefícios à nossa volta — ele retorna em forma de gratidão, fortalecimento de relações e bem-estar.

Como lançar esse boomerangue:

  1. Encontre o outro no olhar
    Busque contato visual atento, vista o seu melhor sorriso e ofereça um gesto de ajuda.

  2. Pergunte “Como posso ajudar?”
    Uma pergunta simples, mas que demonstra interesse genuíno e coloca o outro no centro.

  3. Presenteie com palavras de incentivo
    Um elogio sincero, uma frase de encorajamento ou um “você está indo bem” pode mudar o humor de quem recebe.

  4. Escolha o toque gentil
    O toque afetuoso, quando bem-vindo, ativa respostas de relaxamento e reduz a pressão arterial (Light KC, Grewen KM, Amico JA, 2005). O toque acarinha também alivia a dor e promove conexão social (Campo T., 2010). Abraços, quando apreciados pela pessoa, são especialmente eficazes para aliviar o estresse e podem influenciar positivamente a resposta a infecções virais.

Seguindo o percurso do boomerangue:

  • A gentileza não para na pessoa que a recebe. Frequentemente, quem vivencia um ato gentil sente-se inspirado a repassá-lo a outros, criando uma corrente de comportamentos positivos.

  • Retorno do boomerangue: a gentileza encontra o caminho de volta até você, manifestando-se em gratidão, melhoria de relacionamentos ou mesmo no seu próprio bem-estar emocional.

Relançando o boomerangue:

  • Comece com três lances diários e perpetue seu “treino” de gentileza. Cada gesto, por menor que seja, carrega potencial de gerar impacto positivo que retornará a quem o iniciou.

O fato de que é possível aumentar emoções positivas, aprimorar conexões interpessoais e induzir mudanças de comportamento pró-social por meio da gentileza abre a oportunidade de reforçar a resiliência em contextos de maior estresse, como as organizações de cuidado (Fryburg DA, 2021).

Que o lançamento do boomerangue da gentileza comece já, alcançando o maior número possível de pessoas.

Se desejar, podemos enviar para o seu e-mail sugestões de ações práticas e estratégias para implementar essa cultura de gentileza na sua ILPI. Basta avisar! Escreva aqui nos comentários.

Conheça as artes premiadas no primeiro concurso nacional: Gentileza que protege, arte e cuidado nas ILPI


About the Author: Editorial Revista Cuidar

Edição Internacional

Gratidão de coração

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Por: LETIZIA ESPANOLI – Sente-mente®
Artigo autorizado, traduzido em parceria com ALINE SALLA – Revista Cuidar.

Foto de capa: Projeto mãos que cuidam

A gentileza pode ser uma poderosa ferramenta de transformação? Como mudaria a experiência na ILPI onde você trabalha se houvesse mais gentileza? Como se sentiriam os residentes, os familiares, o pessoal em um ambiente marcado por maior gentileza e colaboração? Consegue imaginar pessoas que se comunicam entre si com cortesia, que se apoiam mutuamente, funcionários satisfeitos com suas ações de cuidado e que encontram um significado mais profundo em seu trabalho?

O poder transformador da gentileza

O padrão ouro da assistência à saúde é uma interação profissional que mescla a arte da gentileza e da compaixão com a ciência aplicada (Fryburg DA, Ureles SD, Myrick JG, Carpentier FD e Oliver MB, 2021).

Não se trata apenas de um gesto cortês ou de uma palavra gentil, mas de um verdadeiro antídoto aos maus-tratos. A gentileza tem o poder de transformar relacionamentos, de criar ambientes mais saudáveis e de promover o bem-estar tanto individual quanto coletivo. Neste artigo, exploraremos como e por que a gentileza pode ser a chave para prevenir e combater os abusos, oferecendo uma perspectiva nova e positiva sobre como podemos melhorar nossas interações cotidianas.

“A gentileza não é apenas sorrir, a gentileza não é apenas ter o outro em mente, mas a gentileza é justamente isso: estar em relação com o outro com antenas ligadas para conseguir doar algo a mais, algo que gere no outro gratidão, que crie no outro apreço, que faça o outro sentir aquela sensação maravilhosa de ser visto.”
— Letizia Espanoli

Gentileza é, antes de tudo, cuidar de si mesmo

A gentileza é a coragem de cuidar das próprias emoções para reencontrar a serenidade e poder encontrar o outro num espaço de acolhimento e ternura. Quando cada gesto nosso, consciente e intencional, é pleno de precisão, presença e atenção, nosso ser como profissionais de cuidado e relacionamento torna-se solo fértil para florescer: nós mesmos, as pessoas de quem cuidamos, os colegas, os familiares, a organização inteira.

A Dra. K. Neff, psicóloga e pesquisadora, sugere alguns ingredientes especiais para cuidar com gentileza de nós mesmos:

  1. Autogentileza

  2. Senso de humanidade

  3. Consciência plena

Autogentileza refere-se à capacidade de cuidar de si mesmo com a mesma gentileza, compreensão e apoio que se ofereceria a um amigo querido, especialmente nos momentos de dificuldade. Significa ser gentil e compreensivo consigo próprio, evitando autocriticar-se em excesso e reconhecendo que todos cometemos erros e enfrentamos desafios. Isso permite manter o equilíbrio emocional e promover o bem-estar psicológico.

Senso de humanidade diz respeito à competência de reconhecer que todos os seres humanos compartilham experiências de sofrimento, falhas e imperfeições. As dificuldades que enfrentamos não são experiências isoladas; fazem parte da vivência humana universal. Esse senso de humanidade nos ajuda a sentir menos solidão nas adversidades e a desenvolver maior empatia por nós mesmos e pelos outros. Em vez de nos sentirmos isolados ou julgarmos severamente quando erramos, lembramos que todo mundo passa por momentos delicados. Cultivar esse sentimento de humanidade favorece o crescimento pessoal e do time, pois reconhecemos que trabalhar juntos é essencial para enfrentar os desafios.

Consciência plena (mindfulness) é a capacidade de estar totalmente presente e ciente do momento atual, sem julgamento. Isso significa observar nossos pensamentos e sentimentos como são, sem tentar suprimi-los ou negá-los. A consciência plena implica compreender claramente as próprias experiências, permitindo que se observem emoções e pensamentos sem ser dominado por eles. Dessa forma, conseguimos manter equilíbrio emocional e reagir às situações de forma mais serena e reflexiva. Na prática, a consciência plena permite acolher nossas experiências, mesmo as difíceis, com gentileza e compreensão, promovendo maior bem-estar psicológico e melhor gerenciamento do estresse.

Um “banco emocional” de confiança

Stephen Covey introduz o conceito de “conta emocional” como metáfora para descrever a confiança acumulada nas relações interpessoais.

Como aumentar nosso saldo emocional:

  1. Compreender o que é valioso para o outro
    Cada indivíduo possui uma “conta emocional” própria, baseada em seus valores e prioridades pessoais. Para construir relações de confiança, é fundamental entender o que é importante para a outra pessoa. Isso requer escuta ativa e empatia, de modo a captar as necessidades e os desejos do outro.

  2. Realizar ações em benefício do outro
    Uma vez que entendemos valores, necessidades e expectativas, é preciso agir de tal forma que nossas atitudes sejam percebidas como benéficas. Isso pode incluir gestos de gentileza, cumprir promessas, demonstrar respeito e consideração… Cada ação positiva funciona como um “depósito” na conta emocional do outro, aumentando a confiança e a qualidade do relacionamento.

Reflita sobre todas as ações de cuidado e relacionamento no seu dia de trabalho. Covey ressalta que as relações de confiança se constroem por meio de depósitos contínuos; já os “saques” (gestos negativos ou falta de respeito) diminuem o “saldo” de confiança acumulado. Perguntemo-nos sempre: “Como minhas ações fizeram o outro se sentir? O que posso fazer de diferente para que minhas atitudes beneficiem e aumentem o saldo emocional?”

A gentileza é, intrinsecamente, um dever moral

A gentileza transcende a simples responsabilidade legal — é, de fato, um dever moral, especialmente quando a ação beneficia substancialmente outra pessoa (Caldwell et al., 2014; Murphy, 2001).

Conceitualmente, a gentileza envolve vários elementos:

  • A capacidade cognitiva de compreender as necessidades alheias;

  • As crenças sobre quais normas comportamentais são aceitáveis e os deveres que se têm em relação aos outros;

  • A inteligência emocional para elaborar uma resposta adequada ao outro;

  • Atitudes afetivas ligadas aos valores de gentileza e compaixão, bem como a capacidade emocional de se colocar no lugar do outro;

  • Expectativas sobre deveres ou responsabilidade pessoal de agir, a disposição de conformar-se às normas interpessoais percebidas e a percepção de si mesmo quanto ao controle da própria resposta a uma situação;

  • A intenção de agir de modo gentil para honrar a relação, percebida cognitiva e afetivamente como um dever;

  • As próprias ações ao tratar os outros de maneira considerada gentil e moralmente apropriada (Fishin & Ajzen, 2010).

A gentileza é o antídoto ao burnout e aos maus-tratos

O mau-trato não se resume à violência física de um profissional voltada à pessoa sob seus cuidados. É algo mais profundo: é o sentimento de inadequação e impotência que invade o cuidador. Surge de forma silenciosa, сomo uma corrente lenta que começa nas negligências, no instante em que deixamos de ver o ser humano além da doença e dos sintomas. Quando quem coordena ou dirige o serviço não consegue mais perceber a equipe como um grupo apaixonado por um objetivo — e esse objetivo é “vencer”, mas vencer o quê? Vencer o desafio de gerar bem-estar, de promover a serenidade e alcançar resultados tangíveis que envolvem a qualidade de vida dos residentes.

Então, o que é a gentileza? No livro A gentileza nas relações de cuidado, ela é definida como o antídoto aos maus-tratos. Novos “sementeiros” de gentileza precisam ser plantados nas organizações, cultivados com cuidado e atenção para que germinem e gerem processos inovadores e novas maneiras de prestar cuidado.

O que ocorre nas ILPI onde reina a negligência?

  • Começamos a não escutar mais o “por que ele grita sempre e não há o que fazer”, a não ver e a passar adiante.

  • Aceitamos a ideia de que “não somos culpados, é a organização, é a falta de tempo, por isso trabalhamos como autômatos” (Pessoa que não pensa nem age por si mesma, que tem comportamentos automáticos).

  • O estresse dentro das organizações de cuidado é uma realidade generalizada. Seus fatores podem ser diversos, e a resposta do corpo ao estresse pode prejudicar ou agravar a saúde física e psicológica.

  • Deixamos de ver as pessoas — inclusive a nós mesmos. E o risco é alto: de profissionais de cuidado, tornarmo-nos, sem perceber, carrascos.

Precisamos retornar à nossa humanidade, reapoderando-nos da gentileza que cura, promovendo resiliência e bem-estar.

O impacto significativo nas emoções e no bem-estar

Identificar jeitos de trazer gentileza e compaixão à assistência à saúde tem o potencial de influenciar a qualidade da interação entre residente e equipe de cuidados. O que podemos fazer, como profissionais de Cuidado e Relacionamento, “no nosso pequeno espaço”? Por que devemos cultivar a soft skill da gentileza?

Pontos-chave:

  • Redução do estresse: a gentileza age como um antídoto ao estresse. Quando profissionais de cuidado praticam a gentileza consigo e com os outros, lidam melhor com situações de pressão e desgaste emocional.

  • Melhoria das relações: a gentileza promove interações mais positivas e colaborativas entre membros da equipe de cuidado, resultando em ambiente de trabalho mais harmonioso e maior satisfação profissional.

  • Aumento da satisfação dos residentes: os residentes avaliam melhor a qualidade do cuidado quando percebem gentileza e empatia por parte dos profissionais de saúde.

  • Benefícios emocionais: praticar a gentileza ajuda os cuidadores a manter equilíbrio emocional, permitindo lidar de maneira mais saudável com a dor e o sofrimento alheio, sem se deixarem dominar por eles.

  • Crescimento pessoal e profissional: adotar um mindset orientado à gentileza conduz a desenvolvimento pessoal e aprimoramento de competências relacionais, além de fortalecer a resiliência.

Um campo de prática da gentileza

Um estudo publicado em 2013 (Cooper, Dow, Hay, Livingston e Livingston) perguntou anonimamente aos cuidadores de ILPI como eles definiam as formas de mau-trato e suas causas. A pesquisa também identificou elementos e ações consideradas antídotos aos maus-tratos. Eis alguns desses pontos, conforme mencionado nos artigos anteriores:

  • Sentir-se parte de uma equipe e poder pedir ajuda (trabalho em equipe);

  • Importância da formação e do conhecimento, aprendendo maneiras de reduzir a reatividade (do residente) sem recorrer ao abuso (crescimento profissional, métodos inovadores);

  • Ser capaz de falar com calma — às vezes conversar de forma tranquila pode ajudar (criar relacionamento com intenção e consciência);

  • Não falar alto ou de forma estridente (ambiente e tom de voz);

  • Cuidar das próprias emoções — às vezes, se afastar por um instante para se recompor e, em seguida, tentar reconectar-se (competência e contágio emocional);

  • Descobrir pequenas coisas que tornam o lugar uma “casa” para eles — conhecer a história de vida da pessoa, seus desejos, entender como idosos e pessoas com demência gostariam que fosse uma ILPI.

Todas essas ações são simples e deveriam ser práticas cotidianas em uma ILPI. Entretanto, nos acostumamos com o “sempre foi assim”, deixamos de nos perguntar o que desperta um “distúrbio de comportamento” e justificamos a falta de habilidade em identificar suas causas dizendo “ele se comporta assim porque tem demência, porque…”. Mantivemos um modelo organizacional pouco consciente do próprio estado de ser e do futuro que queremos construir.

Por que a gentileza é o caminho a seguir

O sucesso dos atos gentis pode decorrer do potencial elemento de novidade, que contrasta com o efeito de adaptação (Brickman & Campbell, 1971; Brickman, Coates & Janoff-Bulman, 1978).

A gentileza é contagiosa

O estudo de Keltner et al. (2014) demonstrou que a gentileza é, de fato, contagiosa, ou seja, um ato de gentileza pode desencadear uma cadeia de comportamentos gentis entre as pessoas.

Como isso acontece:

  1. Imitação social
    As pessoas tendem a reproduzir comportamentos que observam nos outros. Quando testemunhamos um ato gentil, somos mais inclinados a fazer o mesmo, criando um efeito dominó de gentileza.

  2. Empatia e conexão
    Atos de gentileza elevam os níveis de empatia e promovem conexão entre as pessoas. Quando alguém é gentil conosco, sentimos mais proximidade e ficamos propensos a retribuir com gentileza.

  3. Bem-estar emocional
    A gentileza não apenas melhora o bem-estar de quem recebe, mas também de quem a pratica. Esse aumento de bem-estar emocional pode motivar novos atos gentis.

  4. Normas sociais
    Em ambientes onde a gentileza é comum, ela se torna norma social. As pessoas se sentem compelidas a seguir essas normas, perpetuando comportamentos gentis.

Esses mecanismos explicam por que a gentileza pode ser um potente antídoto aos maus-tratos. Ao promover um ambiente de gentileza e multiplicar ações gentis, reduzimos comportamentos negativos e criamos uma cultura de respeito e apoio mútuo. É falso afirmar que “não podemos fazer nada”. Podemos muito, escolhendo ser protagonistas e promotores de gestos de cuidado repletos de gentileza.

Chegou a hora de brincar com o “boomerangue da gentileza”

Imagine lançar um boomerang: ao lançá-lo, você coloca em movimento uma ação que, após percorrer certa trajetória, retorna a você. Da mesma forma, quando praticamos um ato de gentileza, lançamos um boomerangue de benefícios à nossa volta — ele retorna em forma de gratidão, fortalecimento de relações e bem-estar.

Como lançar esse boomerangue:

  1. Encontre o outro no olhar
    Busque contato visual atento, vista o seu melhor sorriso e ofereça um gesto de ajuda.

  2. Pergunte “Como posso ajudar?”
    Uma pergunta simples, mas que demonstra interesse genuíno e coloca o outro no centro.

  3. Presenteie com palavras de incentivo
    Um elogio sincero, uma frase de encorajamento ou um “você está indo bem” pode mudar o humor de quem recebe.

  4. Escolha o toque gentil
    O toque afetuoso, quando bem-vindo, ativa respostas de relaxamento e reduz a pressão arterial (Light KC, Grewen KM, Amico JA, 2005). O toque acarinha também alivia a dor e promove conexão social (Campo T., 2010). Abraços, quando apreciados pela pessoa, são especialmente eficazes para aliviar o estresse e podem influenciar positivamente a resposta a infecções virais.

Seguindo o percurso do boomerangue:

  • A gentileza não para na pessoa que a recebe. Frequentemente, quem vivencia um ato gentil sente-se inspirado a repassá-lo a outros, criando uma corrente de comportamentos positivos.

  • Retorno do boomerangue: a gentileza encontra o caminho de volta até você, manifestando-se em gratidão, melhoria de relacionamentos ou mesmo no seu próprio bem-estar emocional.

Relançando o boomerangue:

  • Comece com três lances diários e perpetue seu “treino” de gentileza. Cada gesto, por menor que seja, carrega potencial de gerar impacto positivo que retornará a quem o iniciou.

O fato de que é possível aumentar emoções positivas, aprimorar conexões interpessoais e induzir mudanças de comportamento pró-social por meio da gentileza abre a oportunidade de reforçar a resiliência em contextos de maior estresse, como as organizações de cuidado (Fryburg DA, 2021).

Que o lançamento do boomerangue da gentileza comece já, alcançando o maior número possível de pessoas.

Se desejar, podemos enviar para o seu e-mail sugestões de ações práticas e estratégias para implementar essa cultura de gentileza na sua ILPI. Basta avisar! Escreva aqui nos comentários.

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