Por: Linda Sabbadin – Sociologa e Assistente Social.
Artigo da Revista Cura.
Traduzido e adaptado por: Aline Salla
Vovôs e vovós: que ideias essas palavras despertam?
Trabalho, há alguns anos, em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI). E, em cada instituição, ao se referirem aos idosos (nem todos assim tão idosos, na verdade), ouço com frequência o uso do apelido “vovôs”. Usado de forma carinhosa, sem dúvida; e, no entanto, ao ouvir essa palavra, algo me incomoda.
Vovô s.m. – O pai do pai ou da mãe. Costuma ser usado também como forma afetiva para se referir a homens idosos: “Sente-se aqui, vovô.”
Vovó s.f. – A mãe do pai ou da mãe. Frequentemente associada a sentimentos de saudade e ternura (os biscoitos da vovó, o colo da vovó, o carinho da vovó…).
O que mais me incomoda é que o termo “vovô/vovó” remete a características específicas e afetuosas: os avós são bons, cheiram a bolo e carinho, a colo e doçura (como destaca a definição); e, para a maioria das pessoas que teve a sorte de conhecê-los, isso de fato reflete suas características. Mas trata-se apenas de uma faceta que, envolta na doçura de um termo “bondoso”, esconde alguns enganos.
Desvincular a pessoa da sua identidade
O primeiro engano é desvinculá-los de sua identidade. Quem foram no passado? Se são avós, foram também pais ou mães, mas não só isso. Trabalharam, tiveram relacionamentos, foram esposos e esposas, profissionais dedicados, pessoas vivas e cheias de sonhos.
Com o uso do termo “vovô” ou “vovó”, perde-se aquela unicidade que é base fundamental da identidade, conforme descreve Goffman:
“Por identidade pessoal entendo […] os sinais positivos ou plaquinhas de reconhecimento e a combinação única dos elementos de sua vida […]. A identidade pessoal, portanto, está ligada à suposição de que o indivíduo pode se diferenciar de todos os outros e que, em torno desse mundo de diferenciação, pode-se construir uma história contínua de fatos sociais que constituem a substância pegajosa à qual se aderem todos os outros fatos biológicos.”
(1963, citado em Mediascapes Journal, 2/2013, p. 106, Nicola Pentecoste)
A figura do “vovô” gruda, então, na ideia de uma identidade única que apaga todas as outras, obscurecendo os diversos papéis que foram assumidos ao longo da vida.
O papel está relacionado às expectativas de comportamento que a sociedade constrói para determinados grupos. O papel do idoso, por sua vez, é reduzido ao estereótipo de pessoa bondosa, mansa, ao qual se adiciona um “tom de saudade”. Aquilo que se costuma dizer… um “bom vovozinho”!
Reduzir vovôs e vovós a “uma entidade única”
Para quem ainda é relativamente jovem, ser “vovô/vovó” parece algo distante; sobretudo na sociedade atual, onde se torna pai/mãe cada vez mais tarde — e, consequentemente, avô ou avó, mais tarde ainda.
Quanto mais sentimos algo distante, no tempo e no espaço, maior a tendência de unificarmos aquilo numa massa “sem forma”, aquilo que Le Bon definiria como “uma entidade única”.
Os vovôs estão distantes no tempo (nos tornamos avós mais tarde) e no espaço (frequentemente são vistos como isolados numa ILPI ou em casa, em solidão).
Segundo alguns estudiosos, existe “a tendência de tratar os membros de um grupo estranho como elementos indiferenciados de uma única categoria. Nessas situações ocorre, segundo Tajfel, uma despersonalização dos membros do outro grupo.”
(Cf. C. Volpato, Desumanização. Como se legitima a violência, Laterza, 2011, p. 23)
Em resumo: aquilo que não conheço ou me parece distante, eu unifico, massifico, despersonalizo.
E não apenas despersonalizo — também me afasto das emoções. Se a massa é uma coisa só, torna-se mais difícil perceber as emoções individuais. Cria-se, por extremismo, o que se define como um dos viéses da empatia, segundo Bloom:
“Se o cuidado é guiado pelos pensamentos sobre o sofrimento de indivíduos específicos, então se cria uma situação perversa em que o sofrimento de um pode contar mais que o sofrimento de mil. […] E Madre Teresa uma vez disse que, ao olhar para a massa, ela não conseguiria agir. Olhando para o indivíduo, sim.”
(P. Bloom, Contra a empatia. Uma defesa da racionalidade, Liberilibri, Macerata, 2019, pp. 107–108)
Dificuldade de se relacionar com quem não se encaixa no estereótipo
M. é uma senhora que vive na ILPI onde trabalho e, às vezes, percebo que tenho dificuldade de me conectar com ela. Ou, pelo menos, não tanto quanto com outras senhoras idosas.
Ao conversar com uma colega, ela me responde: “Claro que tem dificuldade. É porque ela não se encaixa no estereótipo da ‘vovozinha’ da Casa de Repouso.”
E ela tem razão. M. tem um passado turbulento, passou por um divórcio e fuma sem parar. Não usa colares de pérolas. Não arma o cabelo com laquê. Provavelmente sua cozinha nunca cheirou a biscoitos.
O estereótipo do “vovô/vovó” residente da ILPI fez mais uma vítima. E desta vez, fui eu. Quando um estereótipo é ativado, “substituímos o esforço de conhecer por uma ideia pré-concebida, que no melhor dos casos simplifica a realidade e, no pior, a distorce”.
(Albano R., Cavalli A., Piccheri A., Sciarrone R., Compreender a sociedade. Introdução às ciências sociais, Loescher Editore, 2004, p. 73)
Nesse caso, o estereótipo distorceu completamente a realidade, impedindo uma relação mais empática.
Essa atitude, que nada mais é do que um produto social, corresponde à necessidade da mente humana de formar ideias generalizadas.
As dimensões da atitude humana
Segundo Allport, a atitude possui três dimensões: cognitiva, afetiva e conativa.
A dimensão cognitiva “diz respeito ao que se sabe sobre um objeto, independentemente de tal conhecimento estar ancorado em realidades objetivas ou em crenças que são verdadeiras apenas para um indivíduo ou grupo.”
(Albano R., Cavalli A., Piccheri A., Sciarrone R., 2004, p. 74)
A dimensão afetiva tem a ver com as emoções que aquele objeto/pessoa desperta em mim.
A dimensão conativa, por fim, refere-se ao comportamento que adotarei em relação ao objeto.
Aplicando ao caso real, eis o que ocorreu:
Tive dificuldade de me relacionar com M. (dimensão afetiva), porque acredito que ela não se encaixa no estereótipo da “vovó carinhosa” (dimensão cognitiva) e, por isso, adotei um comportamento menos empático (dimensão conativa).
“Eu não sou avó!”
Tenho em mente uma festa linda numa das instituições em que trabalhei. L., uma das idosas por quem eu tinha mais carinho, segura um cartaz decorado para comemorar o Dia das Mães. O cartaz está cheio de desenhos lindos e a festa foi um sucesso. Mas L. perdeu seu filho há poucos meses.
Do outro lado do salão está E., que tem dois filhos — mas imagino que muitas vezes seu pensamento vá para aquele que também perdeu. Principalmente hoje.
M., por sua vez, em uma sociedade dos anos 50 que a queria mãe a qualquer custo (pois esse era o papel esperado dela), nunca conseguiu ter filhos. E me contou, muitas vezes, o quanto isso a fez sofrer.
O mesmo se aplica ao dia 26 de julho, que em toda ILPI vira festa. Não consigo esquecer S., que, ao receber o diploma de “Melhor Vovó”, me olha surpresa e diz: “Eu não sou avó.” Ela também perdeu seu único filho.
Num caos linguístico, em que todo idoso é, por definição, um “vovô”, esquecemos que muitos não o são.
E alguns nem chegaram a ser pais ou mães. Algumas mulheres nunca se tornaram mães. E isso pode esconder uma dor difícil de imaginar.
O fato de termos “massificado”, tanto linguística quanto socialmente, os idosos como “vovôs”, nos legitima a comemorá-los, nesse 26 de julho, todos juntos, como uma única entidade.
E isso mostra como, além de equivocado, esse costume é anacrônico diante das transformações demográficas que virão, tornando todos nós “netos por adoção” de uma sociedade com cada vez menos avós.
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Acolhemos uma Pessoa idosa ,ele era solteiro e tinha sotaque do nordeste ,ele mesmo com muito carinho disse para equipe quero que me chame de Vovô, e eu que sempre gostava de chamar pelo nome, achei lindo da parte dele, cada caso é um caso .Já tinha uma Pessoa idosa do sexo masculino que não gostava, ninguém chamar de Vovó.Eu por exemplo não sou mãe, não sou avó, porém tem um neto do meu esposo que me chamou sem querer de minha Vovó, gente eu fiquei tão emocionada e falei com ele ,repete rsrsrs e ele disse,minha vovó.E eu simplesmente,sem nunca ser mãe sou uma tia,tia avó dos meus sobrinhos,me senti tão feliz e até hoje ele me chama assim e meu enteado me chama de minha mãezona.Muutas vezes achamos que uma pessoa não irá gostar e pelo contrário,no meu caso hj tenho 54 anos, não chamo nenhum dos idosos do Nosso Lar de vovô, chamamos mais pelo nome social e sempre sem colocar Sr na frente, e eles sentem muito bem com isso.Ex Manoel, tem 82 anos, todos chama o mesmo de Manoel,ele fica feliz.
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Muito interessante,nos traz reflexão.
Acolhemos uma Pessoa idosa ,ele era solteiro e tinha sotaque do nordeste ,ele mesmo com muito carinho disse para equipe quero que me chame de Vovô, e eu que sempre gostava de chamar pelo nome, achei lindo da parte dele, cada caso é um caso .Já tinha uma Pessoa idosa do sexo masculino que não gostava, ninguém chamar de Vovó.Eu por exemplo não sou mãe, não sou avó, porém tem um neto do meu esposo que me chamou sem querer de minha Vovó, gente eu fiquei tão emocionada e falei com ele ,repete rsrsrs e ele disse,minha vovó.E eu simplesmente,sem nunca ser mãe sou uma tia,tia avó dos meus sobrinhos,me senti tão feliz e até hoje ele me chama assim e meu enteado me chama de minha mãezona.Muutas vezes achamos que uma pessoa não irá gostar e pelo contrário,no meu caso hj tenho 54 anos, não chamo nenhum dos idosos do Nosso Lar de vovô, chamamos mais pelo nome social e sempre sem colocar Sr na frente, e eles sentem muito bem com isso.Ex Manoel, tem 82 anos, todos chama o mesmo de Manoel,ele fica feliz.
Muito interessante,nos traz reflexão.