Premissa

Estabelecemos um método: escolhemos uma residente da ILPI para, em auditoria, examinar o evento adverso de que ela foi protagonista — uma tentativa de fuga. Unimos as forças da equipe multiprofissional e encontramos estratégias, mudanças de rota e uma abordagem multidisciplinar. Só assim nossa colega talvez consiga respirar, deixar de sentir sozinha o peso da decisão, trabalhar em conjunto e não se sentir tão profundamente isolada.

Procuramos esboçar as formas de resolver os conflitos, sendo o primeiro deles o confronto com o grupo de cuidadores, que apresentam justificativas defensivas às quais é preciso dar resposta. A autodeterminação da pessoa torna‑se o fio condutor de nossas escolhas, prioritária em relação a qualquer outra necessidade, muitas vezes apenas organizacional.

Responsabilidade e Carga Emocional

Sou, antes de tudo, assistente social. Mas meu espírito de pertencimento me liga indissoluvelmente à cooperativa da qual sou sócia, participando ativamente das decisões e condutas. Sou, finalmente, gestora de ILPI, com toda a carga de responsabilidade — legal e emocional — que esse papel traz.

A ordem é meramente casual, pois meu mandato institucional se entrelaça, colide e, às vezes, encaixa‑se com o mandato social e outras perspectivas. Busco diariamente uma forma de escapar da escolha imposta e conciliar minhas múltiplas facetas. Isso acontece ainda mais diante de um evento adverso e de sua gestão. Tomarei como exemplo a tentativa de fuga de uma residente, que resultou em queda e traumatismo craniano.

A Fuga de Rosa

Inúmeras vezes Rosa havia deixado a ILPI e fora “recuperada” facilmente, pois já era conhecida na vizinhança… avistada… encontrada. Mas bastou uma só vez para que Rosa, saindo de chinelos abertos pelos fundos, tropeçasse, caísse e sofresse um traumatismo craniano.

O hospital envia um relatório muito negativo sobre a atuação da instituição, acusando‑a de negligência e falta de vigilância. Os cuidadores em turno relatam que Rosa saiu em um horário em que não conseguem monitorar os movimentos dos residentes; afirmam ainda que Rosa é “incontrolável”, insatisfeita, inquieta, ocupando-lhes muito tempo — na administração do alimento, no momento da higiene pessoal, em que precisam assisti‑la para obter um resultado de melhor qualidade em menos tempo — quase sugerindo a restrição de suas autonomias.

O grupo se coloca na defensiva sentindo‑se atacado. Rosa se sente envergonhada pela queda e acredita estar incapaz de exercer seu poder de decisão.

Livre para Sair, Livre para Escolher

A senhora Rosa, sujeito ativo e signatária do *PaP (Plano Assistencial Personalizado, equivalente ao PAI – Plano de Atendimento Individualizado, adotado nas ILPI brasileiras), recentemente vinha expressando seu desejo de sair, dar uma volta, sentir‑se livre para escolher. Ela tem um administrador de apoio que conhece a situação e concorda com as saídas, nas quais ela comunica e assina formalmente ao deixar a ILPI para se dirigir a locais pré‑definidos. Mas é exatamente isso que Rosa não quer.

Então ela aguarda a troca de turno, quando os cuidadores estão ocupados com as passagens de plantão, para sair sorrateiramente, sem avisar ninguém e sem assinar o registro. O portão da instituição abre‑se ao passar de veículos; ela espera que um carro passe — certificando‑se de que seja de um parente e não de um funcionário que a reconheceria — e então parte. Não adianta o convite para sair com a animadora ou com os voluntários. Rosa sai sozinha.

A “fuga” de Rosa — que não passa de uma simples caminhada — evidencia as fragilidades do papel complexo que desempenho. Pergunto‑me repetidamente quanto o conceito de humanização do cuidado colide com a pura parametrização da assistência, como se as 2,2384 horas por residente não autônomo fossem dignas e suficientes. Como se assistência significasse apenas cumprir as abluções diárias. No meu cotidiano, não projeto minha vida com base no tempo disponível para atingir um objetivo. Defino o objetivo e me concedo não o mínimo, mas o máximo de tempo para alcançá‑lo.

Facilitadora de Redes: Dançar em Planos Instáveis

Quando Rosa saiu e se machucou, eu havia acabado de reduzir as horas assistenciais destinadas às saídas de dois residentes da ILPI. Tenho a impressão de que os parâmetros despersonalizam o cuidado e nivelam a assistência. Difícil me ver como facilitadora de redes; sinto‑me muitas vezes contadora, solucionadora de problemas — uma bailarina sem sapatilhas, dançando sobre planos variados e instáveis, carregando o peso da precariedade — e assim tenho dificuldade em transmitir solidez.

É aqui que se cruzam os “famosos planos”:

Mandato Institucional

Sinto‑me investida de grande responsabilidade. Verifico o PaP, as assinaturas dos participantes e registro, mais uma vez, o desejo de Rosa por saída autônoma — algo natural e nada desviante. Pergunto‑me se precisamos adotar controle mais rígido no portão — uma sinalização vermelha para inibir a saída, uma câmera de vigilância.

Mandato Social

Quero reconhecer e tutelar a liberdade individual de Rosa: proponho afivelar um laço nos chinelos preferidos, escolhendo junto o tecido e a cor; convido todos os cuidadores a se reunirem de novo para debater se correr o risco de queda acidental é menos desolador do que “conter” Rosa. Qualquer tentativa de confinamento geraria efeitos contrários. Sugiro medidas para tornar seu dia mais seguro — como deslocar o ponto de passagem de turno para junto ao quarto dela — e ao mesmo tempo ampliar seus momentos de autonomia, enfrentando sua irritação e vontade de evasão.

Mandato Político

Tenho um forte desejo de melhorar a qualidade de vida na ILPI. Envolvo a equipe e colegas do serviço social e do Departamento de Saúde Mental que acompanham Rosa, buscando sugestões e uma linha de ação comum, para tornar seu dia menos ansioso e menos focado em “procurar uma porta”.

Mandato Profissional

Acolho as observações dos cuidadores sobre a falta de pessoal, que dificulta a vigilância e o tempo necessário para atender às necessidades relacionais de Rosa e de outros residentes. Ao mesmo tempo, vejo a necessidade de organizar um programa de capacitação para a equipe, valorizando as competências e orientando as ações para o cuidado centrado na pessoa — não “incontrolável”, mas plenamente autodeterminada.

Conhecendo o dia a dia de Rosa

Envio ao hospital nosso relatório do ocorrido e de todo o percurso com Rosa, solicitando a reconsideração do parecer sobre uma atuação que desconheciam. Isso também esbarra na evidente lacuna de entendimento dos cuidadores, que tendem a querer determinar e controlar Rosa.

Descobrimos juntos que, pela manhã, Rosa era despertada cedo para a limpeza do quarto e ficava nervosa o dia todo; era pressionada a almoçar rapidamente, quando poderia comer no seu próprio ritmo; e vinha recebendo ajuda na higiene pessoal, algo que ainda conseguia fazer sozinha, embora com resultados menos “perfeitos”.

Também constatamos que a iluminação no quarto era muito fraca e a persiana estava com defeito. Refletimos sobre a importância da beleza como moldura dos nossos dias e dos ambientes da ILPI. Cada ação é compartilhada com Rosa, que, como tantos outros, não tolera o número em suas camisolas florais, as portas fechadas e as proibições sem sentido.

Escolher como Se Fôssemos Rosa, para que Todos Aprendam

No fim, escolho não escolher. Escolho Rosa. Pergunto‑me o que eu gostaria se estivesse em seu lugar. Cada dia será mais uma descoberta sobre o que todos nós — desde a limpeza do quarto, ajustando horários ao seu ritmo, até a administração da terapia — poderemos aprender sobre ela. E entenderemos também se essa casa ela sente como lar ou apenas como um lugar onde vive.

Imersa em todas as facetas do papel complexo que desempenho, concentro‑me na pessoa e em sua história. Administrar a medicação após o almoço, em vez de durante a refeição, permitia‑lhe um cochilo reparador que coincidia com a troca de turno. Comer sozinha e lavar‑se sozinha a tornava mais feliz. Quando criança, Rosa gostava de trançar margaridas: organizamos uma atividade vespertina para colher flores no jardim, sozinha, com segurança.

E se Rosa “fugir” novamente, desta vez ela terá calçados adequados — e a plena consciência de cada um de nós.

Neste breve relato são abordados os inúmeros dilemas que atravessam as escolhas de uma colega assistente social na Itália, sócia da Cooperativa Di Vittorio e diretora de uma ILPI  (Instituição de Longa Permanência para Idosos). Os planos se entrelaçam ou se sobrepõem, e muitas vezes ela se encontra num redemoinho em que não sabe decidir qual é a prioridade, sendo puxada para a direita e para a esquerda por um cobertor sempre curto demais.

Nota sobre o PaP

O PaP (Piano Assistenziale Personalizzato – Plano Assistencial Personalizado) é o instrumento legal italiano previsto pela Lei 162/1998, elaborado pela Unidade de Avaliação Multidimensional (UVM) para planejar serviços sociais e de saúde domiciliares, semiresidenciais e residenciais conforme o grau de não-autossuficiência do usuário. No Brasil, o correspondente é o PAI (Plano de Atendimento Individualizado), regulamentado pela RDC  502/2021 da ANVISA para as ILPI.

Por Francesca Poletti, Assistente Social e Coordenadora de Serviços Sociossanitários da Cooperativa Social Di Vittorio, e Roberta Betti, Diretora de Estrutura para Idosos da Cooperativa Social Di Vittorio.

Revista Cura – Itália.

Traduzido por: Aline Salla

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