Nota Editorial – Revista Cuidar

Neste relato, destacamos a experiência transformadora do município de Inhumas-GO, que revela a potência da articulação entre o poder público, o Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa (CMDPI) e os gestores das Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI). O relato evidencia que políticas públicas eficazes nascem do diálogo intersetorial, da escuta ativa e da corresponsabilidade. A atuação conjunta permitiu avanços concretos na qualificação do cuidado, na promoção da saúde e na defesa dos direitos das pessoas idosas institucionalizadas, reforçando que o município é um agente central na garantia de envelhecimento digno e com qualidade. Que este exemplo inspire outras localidades a fortalecerem suas redes de proteção.

Autoras: Dra. Carmencita Balestra | Dra. Juliana Paula B. S. Libânio

Breve Retrospectiva: 2018 a 2024

  • Município: Inhumas, Goiás
  • População: 58 mil habitantes
  • Número de ILPI filantrópicas sediadas no município: 2018: 6 | 2024: 4

Com essas informações, iniciamos o relato de como um Colegiado em 08 anos, mostrou a gestão municipal a importância dos serviços prestados pelas ILPI no município.

Ato Inaugural: Audiência Pública na Câmara Municipal

O início desse diálogo deu-se a partir de uma audiência pública na Câmara Municipal, na qual foram apresentados aos parlamentares dados que evidenciavam que os cuidados de urgência e emergência geravam mais gastos ao erário do que as ações de promoção da saúde das pessoas idosas.

Sem dúvida, a reestruturação do conselho e a representação das ILPI enquanto instituições não governamentais foram determinantes para dar visibilidade aos serviços prestados e também para identificar as inúmeras fragilidades presentes no cotidiano dessas instituições.

A inclusão de gestores das ILPI na composição do conselho foi um grande divisor de águas, pois conseguimos mostrar à gestão municipal e à sociedade que as ILPI de Inhumas agora tinham voz e, acima de tudo, prestavam relevante serviço ao município. À época, o poder público permanecia inerte diante das inúmeras necessidades, limitando-se a solicitar vagas sem a devida contrapartida — o que foi alterado em 2023, por decisão judicial que passou a responsabilizar financeiramente o município quando da solicitação de vagas.

Levantamento de Dados e Diagnóstico Institucional

Mas vale ressaltar que iniciamos o processo com o levantamento de quantas pessoas idosas estavam institucionalizadas, seu estado de saúde, situação documental das ILPI, formação de seus colaboradores e levantamento de quanto custava o cuidado nos graus I, II e III.

De acordo com Mendes et al., não existe no Brasil um protocolo único que oriente o processo de avaliação das ILPI e crie um banco de dados nacional com informações referentes a essa população, apesar de a Resolução da Diretoria Colegiada 502/2021 da Anvisa prever a notificação anual e obrigatória de várias condições de saúde e a identificação do estado funcional dos idosos institucionalizados (Brasil, 2016; Oliveira e Silva, 2024).

Assim, foram dois anos de intensa organização documental, administrativa e jurídica das ILPI e também das pessoas idosas, pois muitos sequer possuíam carteira de identidade. Para tanto, foi realizada uma força-tarefa do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e da Defensoria Pública, que se mostrou incansável para garantir que cada idoso acolhido tivesse seu RG, CPF e cartão do SUS.

Capacitação dos Trabalhadores das ILPI

Identificamos, nesse processo, a necessidade de qualificar todos os trabalhadores das ILPI, de modo que, em 2018, foi realizado o primeiro curso de cuidador de pessoas idosas institucionalizadas. Todos os colaboradores das ILPI do município participaram: desde os técnicos até os profissionais da cozinha e da lavanderia, ou seja, todos aqueles envolvidos no cuidado direto das pessoas idosas.

Nesse contexto, o CMDPI, em conjunto com a Vigilância Sanitária (VISA), iniciou uma série de supervisões orientativas e fiscalizações, que culminaram no fechamento da primeira ILPI após a constatação de inúmeras irregularidades, devidamente comunicadas ao CREAS e ao Ministério Público.

Essas ações estão alinhadas ao que descrevem Creutzberg et al. (2007): “o primeiro momento de relação entre as ILPI e o SUS se dá pela fiscalização exercida pela Vigilância Sanitária, responsável pela emissão e renovação do licenciamento ou alvará de funcionamento das instituições.”

A partir dessa aproximação, gestores e responsáveis técnicos foram sensibilizados quanto à necessidade de incluir as ILPI no rol de atendimentos das dez Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município.

O passo seguinte foi identificar em quais territórios de UBS estavam situadas as ILPI e quem eram os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) responsáveis pelos atendimentos nessas áreas.

Foram realizados contatos para sensibilizar a Secretaria de Saúde, cuja titular, médica de grande senso humanitário, determinou de imediato que as ILPI passassem a ser atendidas pelas equipes de saúde.

Integração com o SUS: UBS e ACS nas ILPI

Em 2018, promovemos o primeiro encontro de ACS, cujo tema principal foi a saúde da pessoa idosa acolhida em instituição e a atuação do ACS; com isso, quebramos o paradigma de que os ACS não visitavam domicílios coletivos.

Posteriormente, promovemos encontros com os coordenadores de saúde e, em conjunto com o Ministério Público, foi decidido que as pessoas idosas seriam assistidas pelo médico da UBS na própria ILPI, mediante cronograma previamente acordado — o que rompeu o paradigma de que o médico só pode atender na UBS.

Dessa forma, conseguimos estabelecer uma rotina — não sem alguns entraves — de atendimentos de promoção da saúde nas ILPI, não apenas situações de emergência na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), que geralmente estavam relacionadas a processos terminais.

As vacinas contra a gripe, que antes exigiam deslocamento dos idosos até as UBS, passaram, em 2018, a ser oferecidas tanto a profissionais quanto a residentes dentro das ILPI.

Desafios e Respostas na Pandemia de COVID-19

O nosso município, assim como o restante do país, foi impactado pela pandemia de COVID-19 em 2020, de modo que as rotinas das ILPI foram alteradas de maneira inédita.

Em 13 de março de 2020, o CMDPI se aliou às equipes da VISA e ao Ministério Público e editou a primeira resolução que orientava os gestores a encerrar visitas de familiares, amigos e fornecedores, bem como a cumprir rígidos protocolos estabelecidos pelas equipes de saúde e pela VISA.

Buscamos, naquele momento, o apoio da Frente Nacional de Apoio às ILPI e realizamos treinamentos online para a implantação do plano de contingência, sempre com o apoio incondicional das equipes de saúde e da VISA, que orientavam 24 horas sobre o uso dos equipamentos de segurança.

Foram dois anos de muito trabalho, mas jamais se perdeu o apoio consolidado das equipes das UBS nos territórios das ILPI e, graças ao plano de contingência adotado, entre cerca de 380 acolhidos, tivemos apenas dez óbitos por COVID-19, sendo que seis ocorreram após internação hospitalar.

Fechamento de ILPI, Reorganização de Acolhimentos e Estruturação da Rede Municipal de Atenção ao Idoso

Logo após a pandemia, mais duas ILPI foram fechadas, sendo uma por ordem judicial, a despeito das inúmeras tentativas de reorganização dos serviços. Esse processo teve início após as equipes de saúde identificarem pessoas idosas em estado de desnutrição, administração equivocada de medicamentos de uso controlado, receitas sem atualização e uma série de infrações que somente poderiam ser constatadas por equipes de saúde e pela VISA.

Todos se mobilizaram para transferir as pessoas idosas para as demais ILPI ou para outros municípios onde o CREAS havia localizado familiares, evitando ao máximo deslocamentos desnecessários.

Continuamos a oferecer cursos de cuidadores e, em 2024, realizamos a 5ª edição do curso de 120 horas, com cerca de 58 alunos. Em todas as edições, os professores foram voluntários de uma instituição de ensino superior e também profissionais das diferentes UBS.

Desde o primeiro curso, a participação da Secretaria de Saúde foi fundamental, pois os professores eram técnicos das UBS e, em algumas turmas, os próprios ACS atuaram como alunos — algo antes impensável.

Em 2023, realizamos uma ação conjunta entre a Secretaria Municipal de Saúde e a Secretaria de Desenvolvimento Social, em que os assuntos relacionados às ILPI foram discutidos e as responsabilidades divididas, sempre com o Ministério Público como mediador.

Era esse o início da formatação da rede, pois o diagnóstico que trazia informações sobre os quase oito mil idosos do meio urbano e rural do município foi devidamente identificado.

Considerações Finais

Foram anos difíceis, de muitas reuniões, embates e ações de sensibilização das equipes. Contudo, podemos afirmar, sem dúvida alguma, que hoje a Secretaria de Saúde de Inhumas sabe onde está cada ILPI, conhece seus profissionais e presta atendimento contínuo às diferentes necessidades das pessoas idosas acolhidas.

Sobre as autoras:
Carmencita Balestra/Gerontóloga/Advogada
Juliana Paula B.S.Libanio-Licenciada em Educação Física/Dra. em Ciências da Saúde-UUFG-Go.

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